Não sou um daqueles que leu a Bíblia, frequenta ou frequentou a Igreja, mas algumas coisas ficaram dos tempos da Primeira Comunhão e do curso de catecismo. Ouvi passagens bíblicas difíceis de entender naquela idade, mas a semente ficou e uma delas começou a voltar dia após dia à minha mente, solidificando-se e fortalecendo o norte para uma explicação do por que passamos por provas. Qual seria a origem dessas provas e o que temos de fazer para nos recuperarmos diante das razões desconhecidas até bem pouco, mas que ficam mais transparentes e visíveis quanto mais forte é o sacrifício da pena? Um dia vivemos no Paraíso, tudo de bom!!! Eu ouvi dizer que lá as pessoas eram seres humanos, viviam uma eternidade, tudo era verde, a paz era viva e os seres da natureza conversavam e viviam em harmonia. Deus deu a vida, o Paraíso e o livre arbítrio ao homem, mas diante de tanta dádiva estabeleceu uma só regra: Adão não deveria provar da maça. Deve ter passado alguns anos, alguns dias ou algumas horas para essa regra ser quebrada, mas Adão, um abastado de alimentos e conforto, fraquejou! Quis mais do que podia ou deveria. Acredito que tenha sido levado a essa situação quer por influência, tentações, curiosidade, desafio, adrenalina, enfim, mas o resultado é que quebrou a primeira regra estabelecida junto com a vida do homem. Quebrou a primeira regra. Regra essa ligada ao consumo. Desde então, experimentamos o desafio em escala crescente e quebramos regras a todos os momentos e o fruto dessa gula lê-se como o “padecer no Paraíso”. Os tempos nos contam que não muito distante na cronologia, um povo sucumbiu de surpresa em plena escalada da riqueza. Suas florestas de acácias-negras registraram no deserto a existência de um paraíso, pessoas foram imobilizadas pela fome repentina e colhidas da vida pelo alfange de ouro do anjo negro. Naqueles tempos, a balança que pesava o alimento pendeu para um lado violentamente sem que o consumidor em sua passividade percebesse a fragilidade do ponteiro, sua quebra e falta de sinalização de equilíbrio. A vida nesse momento tornou-se insustentável, o equilíbrio rompeu em uma escala representativa observadas as proporções do mundo conhecido. A catástrofe localizada não impede que não muito distante dali, a chama reacenda e a vida brote novamente. Os tempos passaram, os homens recuperaram o saber, mas perderam a memória. A globalização é um fato e um desejo atual, é verdade! O que acontece com o meu vizinho pode, poderia ou deveria acontecer comigo também tanto para o bem quanto para o mal. As tecnologias globalizadas, produtos da educação, tiveram e têm impactos sobre o ambiente. Elas podem preservar, mas também podem destruir. O lixo de hoje tem muitos produtos da educação e muitos produtos da deseducação. Um alimento é um produto da educação e a gula e o desperdício são da deseducação. Ambos estão rolando, empurrados por um trator para uma vala comum, trazendo sérios prejuízos para o ser humano. Colher o que é proibido e não necessário tem o seu castigo no antigo Paraíso ou o seu preço na sociedade globalizada atual. Ambos deixaram e deixam resíduos no seio da vida. O mundo conhecido neste século XXI é todo o planeta. O que acontece aqui acontece quase que imediatamente em todos os cantões e o que os governos podem fazer diante da expectativa de caos na relação produção-consumo? Os poderes estão em xeque! A regra está quebrada e a quem cabe consertar: ao governo? aos produtores rurais? às agroindústrias? Penso que não. No meu tempo de jovem existia um ditado lá em casa que era: quem quebra conserta! Não se pode mais passar a responsabilidade para um terceiro sobre aquilo que cada um de nós como seres humanos carregamos como copartícipes no pecado do consumo. Por esse motivo, o que era para mim o executivo passa a ser coordenador, colaborador, sendo que o eixo do poder de execução e salvação passa para a população como executores concretos nas mudança de hábitos e conduta pelo bem do equilíbrio. Temos de reverter o pecado original. O livre arbítrio nas escolhas difíceis tem de ser praticado por todos nós pecadores da quebra da regra do consumo. Temos o livre arbítrio e não precisamos que outros decidam por nós. Não por uma questão de poder e sim, simplesmente, porque não temos mais tempo. O consumidor quebrou a regra. Cabe ao consumidor sensibilizado e consciente ser o fiel da balança, consertar e recuperar o Paraíso e não sucumbir junto com o brilho dos metais cromados que o encantam e cercam. Nota do Editor: Fénelon do Nascimento Neto (fenelon@ctaa.embrapa.br), Mestre em Extensão Rural, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos.
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