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Opinião
09/12/2009 - 09h06
Vida profissional, doença moderna
Christian Rocha
 

Dizem os mais sábios que a filosofia acabou quando alguns filósofos começaram a se reunir em instituições de ensino e organizaram a trapizonga de forma a perpetuá-la indefinidamente — e, junto com ela, consolidar o status destacado desses perpetuadores. Em outras palavras, a filosofia acabou — ou, pelo menos, sua qualidade despencou assustadoramente — quando se tornou uma profissão comum, com começo (estudo formal, como aquilo que dizem que é feito numa universidade), meio (exercício formal, ao ponto de ‘prestar serviços’, como um encanador ou um arquiteto) e fim (aposentadoria formal, que geralmente se expressa na obtenção de uma cátedra qualquer e artigos para jornais que só reconhecem seu nome, não suas idéias).

Daí para a constituição de sindicatos, conselhos de classe, daí para o estabelecimento oficial (i.e. chancelado pelo Governo Federal) da profissão de filósofo, foi um pulo. E, então, o indivíduo que decidiu tornar-se filósofo passou a acreditar na idéia — obviamente absurda — que diz que para ser filósofo é necessário antes ter todos os documentos e carimbos em dia. Então, dotado desses documentos e carimbos, o sujeito começa a filosofar. E Sócrates se revira na tumba, claro.

A filosofia não é exceção. Trata-se apenas do exemplo mais gritante de uma doença moderna: aquela que diz que uma carreira é aquilo que se faz para ganhar dinheiro e status (i.e. mais dinheiro). Que problema há nisso? Em verdade, nenhum. Nada mais justo do que querer receber dinheiro em troca de anos dedicados à própria formação, o que, no fundo, é algo muito digno: o sujeito estuda com a intenção de oferecer algo bom para os outros, apenas não quer fazer isso de graça. Sem problemas.

O problema surge quando o sujeito começa a dividir sua vida entre carreira, lazer, família e vários outros aspectos de sua vida — uns mais práticos e palpáveis, outros mais abstratos e conceituais. Uns podem argumentar que se trata de uma forma segura de preservar cada um desses aspectos e o senso comum diz que não é bom trabalhar em casa, rodeado de crianças e de outras solicitações familiares. Concordo. Essa divisão geralmente é saudável, porque é prática, é como não colocar roupas sujas na geladeira ou como não fazer as refeições enquanto se toma banho. A compartimentação da rotina assegura a organização e o funcionamento das partes e do conjunto; já se disse que o cotidiano deve ser encarado como um relógio suíço. Concordo.

Eu me refiro a algo um pouco mais abstrato.

Note, por exemplo, o auto-entorpecimento de pessoas em férias. Desligar-se do trabalho não é apenas uma conseqüência das férias, é algo que se torna o alfa e o ômega do indivíduo tão logo esse período se aproxima. O médico deixa de ser médico, o engenheiro deixa de ser engenheiro, o professor deixa de ser professor. Tornam-se homens genéricos, daqueles que são vistos à distância nas filas dos pedágios ou que são entrevistados com as mesmas perguntas de sempre (especialmente elaboradas para que as respostas sejam sempre “Com certeza!”), nas reportagens telejornalísticas no início ou no final dos feriados.

Note que o indivíduo não está naquela profissão porque quer, mas porque precisa pagar as contas. Se ele consegue pagar as contas e lhe sobra dinheiro, ele se manterá naquela profissão porque ele quer que sobre ainda mais dinheiro, porque ele precisa pagar a casa de praia, porque ele precisa trocar de carro todos os anos, porque ele precisa daquele tênis novo, porque ele precisa ir naquela churrascada com os amigos (e pagar por isso e ir bem vestido) etc. etc. etc. Ele submete aproximadamente metade de sua vida para dedicar-se a algo que, na melhor das hipóteses, fornecerá combustível para as coisas que realmente interessam.

O problema fica ainda mais sério quando essa submissão se torna um hábito e com ele o indivíduo perde a capacidade de distinguir aquilo que realmente lhe apraz. Isto não significa começar a gostar daquilo que se faz — o que seria bom –; significa apenas não dar mais atenção àquilo que se sente quando aquelas coisas são feitas. É algo muito pior do que conformismo — o que representaria uma dose saudável de estoicismo –; trata-se de catatonia, que o Houaiss define desta forma: “forma de esquizofrenia que apresenta uma alternância entre períodos de passividade e de negativismo e períodos de súbita excitação”.

Até hoje não encontrei definição melhor para “vida profissional”.


Nota do Editor: Christian Rocha vive em Ilhabela, é arquiteto por formação, aikidoka por paixão e escritor por vocação. Seu "saite" é o Christian Rocha.
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