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Crônicas
10/12/2009 - 17h07
Memórias de um repórter
Marco Albertim
 

O repórter Ricardo Carvalho soube valorizar o baú da memória; resgatou com objetividade, a mesma do moço que presenciou, viveu os fatos que marcaram o noticiário político local. Ao tornar público “É TUDO VERDADE – memórias de um repórter”, dá o testemunho do repórter não só com a mira no lance, mas preocupado com a inteireza, a lisura ou não do lance. Cobriu os fatos no período ditatorial, conviveu com homens do regime sem desperdiçar chances de mostrar o ranço militar de então. Tudo conforme o seu código de honra de jornalista.

Sem rebuços, retoma o caso da então deputada Aracy Nejain, forçada a renunciar ao mandato pelo marido, Drayton Nejain. Drayton perdera, num jogo de cartas, aposta para o suplente Antônio Dourado. O pagamento seria o mandato da esposa. A renúncia não se consumou, visto que o deputado Carlos Veras arrebatou das mãos do colega, Nivaldo Machado, a carta-renúncia que seria lida no plenário da Assembleia Legislativa.

Lembra a prisão do jornalista Carlos Garcia e do então vereador Marcus Cunha, a mando do coronel Cúrcio Neto, chefe do Doi-Codi no Recife. Carvalho intercedeu com telefonemas a Brasília, pela soltura do colega. Garcia foi torturado mesmo depois da ordem de sua soltura, “porque o coronel Cúrcio quis se vingar.” Garcia proferira palestra sobre liberdade de imprensa. Marcus Cunha, sobre Estado de direito. O grotesco é lembrado no resgate do episódio em que João Cleófas, candidato a senador e concorrendo com Marcos Freire, para aparecer jovem, deixou-se fotografar e filmar montado num cavalo em Nova Jerusalém. As imagens saíram na TV e nos impressos.

Carvalho tinha 25 anos quando foi levado do Rádio Clube para o Diário de Pernambuco. O salário aumentou três vezes mais do que ganhava no rádio. O então diretor dos Associados, Antônio Camelo, disse-lhe que também teria direito ao jetom da AL. “Quero não. Dinheiro só o da carteira assinada...” – respondeu ele. Quando o deputado Thales Ramalho se recandidatou à Câmara Federou, convidou o repórter para mostrar “como se ganha uma eleição.” No carro de Ramalho, Carvalho presenciou a distribuição dos envelopes com dinheiro aos candidatos que fizeram “dobradinha” com Ramalho. Foi eleito com mais de 38 mil votos, sem fazer campanha.

Conta como descobriu que o jornalista Talvani Guedes tinha “ligações com órgãos da repressão militar.” Guedes escrevera artigo na revista Veja, afirmando que o jornalista Vladimir Herzog “não fez nenhum sacrifício. Nem foi tão pouco sacrificado.” Guedes contara a Carvalho que, no fim de semana jogara tênis com um coronel do Exército; o mesmo teria feito comentários sobre Carlos Garcia, antes da prisão deste.

Carvalho, então respondendo pela sucursal do Estado de São Paulo, barrou a entrada do jornalista Ricardo Noblat nas dependências da sucursal. Noblat, para despistar os jornalistas, dissera que Roberto Arrais, fotógrafo, estava prestando depoimento na Polícia Federal. Os repórteres foram atrás, e descobriram que o rebate falso era para Noblat entrevistar sozinho o padre Romano, na sede do Giriquiti. No caso da reportagem da Veja tentando imputar a Luciano Siqueira a pecha de “cachorro dos órgãos de repressão”, escreve: “Fiquei revoltado (...) e imediatamente liguei para Luciano. Assino qualquer documento em sua defesa.”

Moura Cavalcanti disse ao repórter que era, conforme pesquisa que tinha em mãos, mais popular que Marcos Freire. Carvalho tirou a carteira do bolso, propondo aposta ao governador. Cavalcanti, perdendo, renunciaria ao cargo. Carvalho, perdendo, não seria mais jornalista. Meses depois, o secretário de Imprensa do governo, Fernando Meneses, disse ao repórter que o governado reconhecera o erro da pesquisa.

O folclore vem à tona quando diz que em Limoeiro, num comício, o candidato Jarbas Vasconcelos estava discursando. Um bêbado, atrapalhando, dizia “muito bem” muito bem!” Ricardo Carvalho pisou no pé do bêbado, dizendo “vamos ouvir o candidato.” O homem saiu calado; minutos depois ressurgiu no palanque, ao lado do orador, repetindo “muito bem!”

Na ditadura Médici, prisões e assassinatos no Doi-Codi. Carvalho ia à 5ª sessão do IV Exército, perguntar por presos e desaparecidos. “Para que eles soubessem que nós sabíamos.” Em conversa com Gregório Bezerra, perguntou se o recém-chegado do exílio toparia ser entrevistado num banco da Praça de Casa Forte, onde fora arrastado por seus torturadores, ao lado do coronel Darcy Villocky Viana. “Sim”, respondeu Gregório. A mesma pergunta ele fez ao coronel; ouviu um sonoro não.

Ricardo Carvalho não se fez de rogado como repórter. Assim o é no livro. Não é o literato que escreve, é o jornalista obstinado na concretude dos relatos.


Nota do Editor: Marco Albertim é jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

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