Lulinha-Paz-e-Amor, tal como outrora se autodenominou a conselho de Duda Mendonça, para mostrar aos ingênuos que o diabo não era tão feio quanto propalavam as más línguas, Lulinha-Paz-e-Amor, enfim, rides again! O presidente Lula baixou o nível na quinta-feira (10/12/2009) à tarde em São Luiz do Maranhão, durante cerimônia de assinatura de contratos do programa governamental Minha Casa, Minha Vida. [Programa este do mesmo teor do PAC (Programa para Alavancar a Companheira), com muitas obras contendo apenas placas de instalação e sob suspeita de irregularidades levantadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União), lamentavelmente um tribunal que não tem poder decisório: por dever de ofício, limita-se a dar conselhos e encaminhar relatórios ao Legislativo. Devia encaminhá-los ao Ministério Público!] Como se estivesse em qualquer lugar menos em uma solenidade como chefe da nação, Lula usou por duas vezes a palavra "merda". Minha querida vovozinha jamais acreditaria que semelhante termo de baixo calão saísse um belo dia da boca de um Presidente e ainda mais falando em público numa solenidade! O Larry Rohter diria que a culpada é a “marvada da pinga que atrapaia”, mas eu acho que a coisa foi mesmo a seco. "Eu não quero saber se o João Castelo é do PSDB, não quero saber se o outro é do PFL, não quero saber se é do PT, eu quero saber se o povo está na merda e eu quero tirar o povo da merda em que ele se encontra", afirmou Lula. Tirar como? Dando bolsa família e criando uma dependência de um governo puramente assistencialista?! Cito novamente o Patativa do Assaré, grande cantador nordestino: Esmola na mão de homem são Ou cobre de vergonha ou vicia o cidadão. E em seguida - após muitos aplausos efusivos de uma galera apreciadora de impropérios e bravatas, Lula confundiu perninha de barata com serrote de duende, aproveitando o ensejo para tecer imprecações contra imprensa, um de seus esportes favoritos quando não está torcendo pelo Curíntia nem batendo uma bolinha na Granja do Torto, nome este sob encomenda para seu ocupante temporário. "Lógico que eu falei um palavrão aqui. Amanhã os comentaristas dos grandes jornais vão dizer que o Lula falou um palavrão. Mas eu tenho consciência de que eles falam mais palavrão do que eu todo dia e tenho consciência de como é que vive o povo pobre desse país e é por isso queremos mudar a história desse país”, concluiu Lula. Educado e sensato leitor, veja a que ponto chegou este País: temos um Presidente incapaz de respeitar a liturgia do cargo que ocupa. Não o respeita, mas certamente exige que os outros o respeitem, a ele e não ao cargo ocupado por ele. Tirem as crianças da sala e com mil desculpas pelo deselegante e vulgar linguajar, porém de pleno acordo com a palavra “merda”: a liturgia do cargo virou “liturgia do cago”. Minha querida vovozinha, em seu rústico, porém preciso modo de se expressar, sempre dizia que respeito é que nem ioiô, coisa que tem ida e volta, ou seja: se você deseja ser respeitado - não importando seu status ou a posição na sociedade, se é rico ou pobre, magro ou gordo etc. – você tem que se dar ao respeito. E se não se dá, não está em condição de exigir que os outros o respeitem, seja você um coveiro ou um Presidente da República, que não leva cadáveres, porém um país inteiro semivivo para a cova. Mas parece que uns 80% de brasileiros – talvez os mesmos apedeutas e oportunistas que aprovam o governo - perderam essa simples noção de que uma relação respeitosa entre duas pessoas quaisquer deve ser simétrica, tanto vale de A para B, como de B para A, ou para usar novamente a imagem de minha querida vovozinha: o ioiô que desce é o mesmo ioiô que sobe, o vento que bate lá também bate cá. No Brasil, nestes bicudos tempos pós-modernos, em que muitas autoridades não se dão ao respeito, e ainda o exigem do povo o respeito, este mesmo tornou-se uma relação assimétrica, que costuma despontar no convívio social sob duas formas: a do temor reverencial, aquele mesmo que um escravo nutria por seu feitor, mas não havia reciprocidade. O feitor, caso contrariado, gozava do espúrio direito então vigente de açoitá-lo ad libitum até a morte, por mera crueldade sádica. Ou então sob a forma de uma atitude de mera aparência de respeito encobrindo alguma coisa da própria conveniência, ao que se deve dar o nome correto ao boi e chamá-lo de bajulação ou, caindo no popular: “puxação de saco”. Curioso o fato de que “puxa-saco” na gíria americana é brown nose (nariz marrom). Essa expressão está longe de ser inadequada, quando nos damos conta de que um nariz não tem por natureza a mencionada cor, porém a adquire quando seu portador vive cheirando o rabo dos outros, é um “lambedor de botas” (em inglês, para Shakespeare nenhum botar defeito: boot-licker). Porém, em brown-nose, estamos mais perto do sentido da palavra vulgar para excremento. O que é lamentável e inequívoco sinal da decadência dos costumes nesta Terra Brasilis - contendo conseqüências muito mais graves do que o momentâneo e espontâneo rubor nas faces dos que ainda possuem um mínimo de vergonha na cara - é um Presidente usar em público – não tomando cachaça num botequim com seus cupinchas - um linguajar tão chulo e aviltador da liturgia do cargo, e ainda por cima a platéia, longe de sentir desrespeitada, o aplaudir freneticamente, como se estivesse diante de um orador da arrebatadora eloqüência de um Demóstenes ou um Cícero. Só se for o Demóstenes do Sertão ou o Cícero de Garanhuns! Mas nosso Presidente, além de ter grande e manifesto orgulho de ser um apedeuta – não precisou de nenhum estudo para subir na vida, como já disse – revela, para milhões de espectadores da TV, seu aberto menosprezo pelo conhecimento e pela cultura, justamente num país extremamente carente de ambas as coisas; além de ser um Forest Gump dos trópicos – um canhestro que por meros oportunismo e sorte venceu na vida - é portador de um “respeitável” trio de virtudes: despreparado, mal-informado e desbocado. Pior do que isso: nem sequer assume como sua, e somente sua, a expressão inadequada para a ocasião em questão, procurando jogar a platéia contra um bode expiatório que quando não é “a Zelite” - aquela megera que domina todo um país - é a “implicante e impatriótica” mídia. M’engana qu’eu gosto! Lula disse que os jornalistas falam mais palavrões do que ele. É verdade, falam mesmo, mas quando estão na arquibancada e seu time perdeu um gol feito, para desempatar aos 43 m do segundo tempo, raramente em ocasiões em que estão escrevendo - a não ser quando, fazendo conveniente e oportuno uso das aspas, expressam algo que não é de sua lavra, mas sim proveniente de um dos discursos do Presidente. Apesar de tudo, não devemos culpar o Presidente, pois ele não passa de um epifenômeno, de um indesejável efeito cuja recôndita causa pode ser sintetizada em uma afirmação tomada por impensantes como elogiosa, mas, em nosso ver, expressando justamente o contrário: “Ele é a cara do povo”. Mas se esta cara é muito feia e repelente, outra não pode ser a dele, e que se há de fazer? É um lugar-comum, mas nem por isso deixa de ser verdadeiro: Todo povo tem o governo que merece. Nossos representantes políticos não são ETs vindos de uma distante galáxia: são gente como a gente, com as mesmas “virtudes” que a gente e eleitos pela gente. Excluam-me dessa gente, por favor, pois não sou o homem-massa de que fala Ortega y Gasset em A Rebelião das Massas. E é por isso que sempre digo, redigo e reitero: não adianta trocar de governo, a única solução é trocar de povo. Eleitores do Haiti não podem eleger candidatos da Finlândia, ô mané! E se você inferiu, do que foi dito acima, a grande importância da educação – tanto a da recebida em casa como a da recebida na escola – para a democracia e a prosperidade de uma nação, parabéns! Você é um dos poucos que ainda se mostram capazes de fazer inferências corretas nesta República da Bruzundanga. [Obs. Se não leu, não deixe de ler Os Bruzundangas de Lima Barreto, que embora tenha como cenário a República Velha, serve admiravelmente bem para a Nova República]. Nota do Editor: Mario Guerreiro (xerxes39@gmail.com) é Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade. Autor de obras como Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000). Liberdade ou Igualdade (Porto Alegre, EDIOUCRS, 2002).
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