Na escala animal, proclamei-me o ser superior. Mas, baseado em que? Que autoridade tenho para advogar tal precedência em causa própria? Seria algo como a corrida desesperada à auto-defesa. Preventivamente e numa extremada iniciativa diante de velado temor, em dado momento, teria decidido recorrer a cuidado exacerbado para me impor, admitindo-me frágil, vulnerável; presumindo um cenário de competitividade para a sobrevivência da raça humana, Ou seria o despeito à beleza, ao colorido do corpo, à musicalidade nas manifestações sonoras, assim como, à força, à destreza, à capacidade de superar adversidades, encontradas nas outras formas de vida? Isto poderia explicar meu deliberado capricho na busca de posição de destaque na escala biológica. Recordo-me de um nome: Blaise Pascal. Francês, viveu tão somente 39 anos no século dezessete. No entanto, àquela época, já expressava uma visão sensivelmente lúcida em torno da pergunta que dá título a este texto. Filósofo, físico, matemático e escritor, dizia: "O homem não é o único animal que pensa, mas é o único que pensa que não é animal". Com efeito, resultados de pesquisas cada vez mais convincentes são trazidos a lume e revelam evidências de que, embora intitulado humano, não represento a única espécie a prantear a perda de um ente querido, a sentir compaixão por outrem ou a padecer de ciúmes; a carecer de atenção, de companhia, de afago; a reconhecer ou lastimar ausências. Suspeito, inclusive, de que não sou o único felizardo em nosso ecossistema dotado da faculdade de amar! Claro está que não adquiro um animal doméstico - gatinho, cãozinho, tartaruga, iguana... um aracnídeo, até - de estimação para tê-lo simplesmente como adorno no lar. Minimamente, ele assumirá uma função específica: o cão, por exemplo, será meu auxiliar na caça, meu protetor e minha segurança para que eu goze de sono tranqüilo; meu guia quando me ocorram limitações visuais etc. E, mui provável e comumente, encontrarei nesse ser algo mais: um companheiro, um amigo, um consolo, um conforto. Eis aí traços do sentimento de interação, afinidade e afetividade, que, chegado o instante em que me encontrar solitário, enfermo, preterido, desiludido, ser-me-á um nicho de alegrias; poderá, mesmo, recobrar o sentido do meu viver. São estas algumas provas de que a idéia anunciada da abissal superioridade, não procede. Se estudos genéticos comprovam que, não apenas entre os animais - vertebrados ou não - mas igualmente os vegetais, a distância é representada por percentagem que se restringe a um dígito, na realidade, o que deles me distingo se reduz à ligeiras diferenças, portanto, de relevância desprezível. Assim que, por tudo além da leitura dos genes, abstenho-me de aspirar a figura do ser superior. Quando muito, conformar-me-ei em me aceitar como algo timidamente diferente. Não cogito de me depreciar a ponto de me comparar a um objeto, embora se trate do melhor computador que a tecnologia moderna venha a produzir; minha mente não se confunde com uma memória gravada em "chips". Tampouco me banalizaria o bastante, até optar por contrair bodas com um símio, ou, ainda, com um personagem cibernético, nos moldes adotado por dado cidadão oriental, cuja notícia se propagou na mídia internacional, recentemente; declaro-me plenamente satisfeito com a disponibilidade de meu semelhante para o qual não buscaria substituto. Entretanto, reconheço-me um animal. Ora, insistir na supremacia para todos os fins sobre as demais vidas na Terra, seria um equívoco e poderia suscitar da parte as infinitas espécies zoo-botânicas naturais deste planeta a pergunta: - Homem pensa?
|