Passados 45 anos da Revolução de 64, ainda assim persistem perigosas idéias, motivações e posicionamentos que justificaram a ruptura institucional de então. O mundo de hoje é outro e não existe mais a Guerra Fria, pano de fundo do episódio e razão básica da instalação de regimes totalitários. Mas as partes se dizem insatisfeitas, até intolerantes, com as soluções encontradas para a redemocratização e a sonhada reconciliação nacional. Os remanescentes de direita têm a certeza de que evitaram o mergulho do Brasil na ditadura do proletariado e os de esquerda garantem que não havia esse perigo, atribuindo exageros repressivos e ideológicos às reações de então. O país viveu governos militares, a luta armada, sua repressão e, finalmente, a redemocratização iniciada pela chamada distenção nacional e a anistia da segunda metade dos anos 70, a eleição de Tancredo (que não governou) e, por fim, o estabelecimento de eleições livres em todos os níveis. Uma visão simplória leva a supor que, vencidas essas etapas, está tudo resolvido. Mas, ainda precisamos mais. Há que se curar principalmente as feridas cujas cascas, muitos ainda fazem questão de arrancar antes da total cicatrização. Além da autocrítica dos remanescentes, independente da ideologia de cada um, há que se refletir muito sobre as possibilidades de cada momento. A anistia, por exemplo, perdoou os combatentes de ambos os lados, mas uns insistem em acusar os outros, esquecendo-se dos seus próprios pecados. Sem admitir anistia como “perdão incondicional”, para ser justo, ninguém poderia aceitá-la também para si. Na repressão e na luta armada, os agentes do governo de então cometeram excessos, mas os militantes contrários também o fizeram, ficando todos de mãos sujas. Um esquema de perdão dificilmente conseguiria quantificar a parcela de cada lado ou, pelo menos, isso seria um entulho para se carregar por muitos anos, sem qualquer perspectiva de resultados práticos. A luta armada foi uma guerra – todos admitem – e numa guerra sempre há vencedores e vencidos, mas todos perdem. Feito o armistício e regularizada a vida nacional, nada mais justo que os sobreviventes se recomponham e a vida ganhe normalidade. Os que morreram podem, até, ser considerados heróis. Mas o país nada lhes deve. Os que sobreviveram têm de retomar o seu dia-a-dia, e isso aconteceu no Brasil. Até exageradamente pois, muitos, além de galgarem posições sociais importante, ainda recebem as polpudas e discutíveis indenizações pelos tempos em que militaram contra o regime, como se mercenários fossem. A grande maioria dos líderes civis e militares de 64 está morta. Urge que os poucos ainda vivos, hoje despidos dos temores e interesses de então, ajudem a desmontar os fantasmas, mitos e mentiras – comuns a todos os momentos de confronto – possibilitando que a história nacional flua limpa e descomprometida. Sentimentos quase cinqüentenários, já superados pela linha do tempo, não podem continuar truncando o sagrado direito das novas gerações saberem o que realmente aconteceu. Remova-se a poeira da história e revelem-se os fatos sem a emoção do momento em que ocorreram. Acabe-se, de uma vez por todas, com as rotulações de “mocinho” e “bandido”, trocando-as por apenas “brasileiro”. As futuras gerações agradecerão e poderão viver em paz. Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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