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SEÇÃO
Crônicas
05/01/2010 - 09h12
Visitas de domingo
Maria Alice Zocchio
 

Muitas de minhas redações escolares faziam menção à “fazenda de minha avó”. Principalmente as previsíveis sobre os finais de semana. Era só um jeito de falar. Coisa de criança. Na verdade, meu avô materno era apenas o administrador de toda aquela imensidão de terra vermelha onde se plantava muito café e algodão. Não era o dono e muito menos a minha avó, cuja postura autoritária e forte, talvez fosse a responsável por esta errada idéia de “fazenda de minha avó”.

Pertencesse a quem pertencesse, não era isso o que importava. O que contava, eram nossas visitas de domingo. Chegávamos cedo, vindos de São Paulo e o grande objetivo era apenas aproveitar o dia. O que, no meu caso, significava juntar-me à prima de mesma idade, também vinda de São Paulo e explorar casa, quintal e - além do portão - toda aquela fazenda.

A casa era ampla. Um pé direito muito alto, assoalho na sala imensa e nos quartos espaçosos. Na cozinha, antes do almoço, ficavam as mulheres mais velhas. No forno a lenha, lenta e saborosamente, minha avó, minha mãe e tias preparavam a comida. Minha irmã se juntava a elas. Era moça, mas não tinha primas na mesma idade. Meu pai, meu tio e meu avô jogavam dominó na comprida mesa de madeira. Meu irmão se perdia pelas terras com meu primo e o tio temporão.

Todos ocupados e a prima e eu livremente vasculhando gavetas e armários. Havia tanta coisa a descobrir! Eu gostava muito de um conjunto de fichas plásticas coloridas que ficava na cristaleira. Nunca soube que alguém jogasse pôquer. Também tinha o botão pera que acendia as luzes no quarto, a bucha natural pendurada no chuveiro, o sabonete sempre de cor verde na pia, os vidros escuros guardando remédios esquisitos e as fotos de família, posadas e emolduradas, que decoravam o corredor.

Tenho certeza de que minha avó sabia de nossas investigações, mas, com uma cabeça adiante no tempo, compreendia, mesmo intuitivamente, as necessidades desta nossa etapa do desenvolvimento. Às vezes, acho que se enchia de tanta bisbilhotice, e então inventava que devíamos moer café, buscar ovos no galinheiro ou colher jabuticabas. O café era na cozinha, mas os ovos e as jabuticabas nos levavam para o quintal.

Ah! O quintal!... Tinha três partes. Uma para lavar e estender as roupas, uma para despejar o lixo e outra com árvores, galinhas soltas, chiqueiro e paiol de milho. Lembro-me bem das jabuticabeiras. Árvores fáceis de subir. Era para lá que Dona Ignez nos despachava com uma lata de tinta vazia nas mãos. Subíamos no pé e descolávamos as frutinhas do tronco, uma a uma, até encher o balde. Comíamos algumas, atirávamos outras e, lá em cima mesmo, sentadas nos galhos, travávamos algumas longas conversas.

No paiol, escalávamos uma montanha de espigas secas sob um forte cheiro que saía não sei se da palha ou da própria espiga. Um atentado às rinites de hoje em dia. Lá do alto, escolhíamos qualquer uma para debulhar e jogar às galinhas. No chiqueiro, observávamos os leitõezinhos rosados e quase limpinhos disputando as tetas da mãe. Ali, também, eu torcia para pegar um bicho de pé (até mesmo na mão). Um estranho gosto que já descobri não ser exclusivo.

Não posso esquecer do quintalzinho do lixo onde fazíamos o rescaldo do que sobrava do fogo. O lixo era queimado, não havia coleta. Muito menos a seletiva. Então, os tubos de pasta de dente, os vidros de água de colônia, embalagens de desodorante, uma ou outra lata de qualquer coisa eram recolhidos como preciosos tesouros. Iam virar utensílios para a brincadeira de casinha que acontecia além do portão, no terreiro de secagem do café.

Tínhamos todo o espaço do mundo. Escolhíamos apenas um pedacinho, arrumávamos a casinha e corríamos o terreiro com a imaginação. Adiante, ficavam os tratores. Subíamos e descíamos quantas vezes quiséssemos e nos posicionávamos diante daquele volante enorme pra viajar onde as idéias mandassem.

Acho que não usávamos brinquedo. Talvez uma bola, mais nada. A diversão vinha sozinha. Aquilo era um mundo a descobrir. Andar pelas terras, pelo meio da plantação; pegar manga do chão, lavá-las no cocho do cavalo e tirar a casca com os dentes; colher romã e cutucar cada sementinha vermelha transparente; tentar fazer tinta da semente do urucum, sair com a família caminhando até o campo de futebol, disputar lugar na única espreguiçadeira da varanda... Tanta coisa pra lembrar!!

A fazenda foi mesmo um grande presente em minha vida. O presente dádiva e o presente das lembranças que surgem luminosas como as visitas de domingo.

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