Quando era pequena, achava que “bode expiatório” era um cabritinho crescido que ficava olhando, quietinho, através da cerca. Só muito depois – mais precisamente, na semana passada – parei para pesquisar sobre a expressão, e descobri que remonta à Antiguidade: segundo a Wikipédia, o pai dos burros internáuticos, nas antigas cerimônias religiosas hebraicas selecionava-se um touro e dois bodes. Um deles era sorteado ao acaso e era imolado em sacrifício, juntamente com o boi, nos altares do Templo de Jerusalém. O outro ficava sendo justamente o tal bode expiatório – o sacerdote punha a mão na cabeça do bicho e confessava todos os pecados do povo de Israel. Todos! Em seguida soltava o pobrezinho na natureza, para que pudesse expiá-los. Bem, melhor um bode cheio de culpa do que mortinho da silva... Quem já chegou perto de um desses animaizinhos sabe que ele não cheira muito bem, não. Vem daí a expressão “tirar o bode da sala”, que significa melhorar determinada situação desagradável, ou resolver parte de um problema, ainda que ele não seja totalmente solucionado. A sala pode não mudar, mas pelo menos fica sem o mau cheiro do bode, o que confere um certo alívio. “Dar bode” também é uma expressão comum aqui no Brasil. Significa azar, algo que saiu errado. “Estar de bode” é estar triste, cabisbaixo ou de ressaca... Pobre caprino, que de fato nada tem a ver com isso! Só porque é associado, talvez injustamente, com o diabo? A simpática carinha do bicho vista de frente, com os chifres, a barbicha e as duas orelhinhas caídas, lembra uma estrela invertida: o símbolo do demônio. Pronto! Também os sátiros, metade humanos, metade bodes, que viviam atrás das ninfas nos bosques gregos, e personificavam o mais violento instinto sexual do homem – além de adorarem uma birita – fazem uma associação não muito honrosa ao animalzinho. Mas no nordeste brasileiro, o nosso bode expiou todas as suas eventuais culpas ao ter suas vísceras servindo de matéria prima para a famosa e muito apreciada buchada. Imagine-as cozidas no próprio estômago do bicho! Sei que estou longe de ser uma vibrante carnívora, mas pensar nesse prato me causa arrepios. Nunca provei e nem pretendo, já que não penso em candidatar-me a nenhum cargo público que dependa de votos. Bem, toda essa conversa inútil sobre o macho adulto dos caprinos tem um objetivo, que é e de tecer algumas palavras de ânimo. Quem anda com seu espírito com-balido, quem passa por uma fase ma-cabra, tenha a certeza que, ouvindo bem seu íntimo (eu ia dizer “ovino”, mas até a infâmia tem limite), escutará uma voz interna a lhe dizer: Chega de bode! Não deixe que ninguém atrapalhe seu caminho para a alegria! No-bode, baby! E continuemos subindo a montanha, como bons cabritos que berram.
Nota do Editor: Vany Grizante (vanygriz@gmail.com) é arquiteta e escritora em São Paulo, SP. Escreve no site "Recanto das Letras" desde 2007. Publicou o livro "Abelhas sem Teto e outras crônicas" pela Editora All Print e participou da coletânea "Universo paulistano vol. II" da Editora Andross, ambos em 2010. Sua tese de mestrado sobre ambiente de trabalho na indústria encontra-se disponível para download no site: www.teses.usp.br.
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