Crônica do Quinho
Quinho olhava embevecido para a loja dedicada aos títulos da Editora Companhia da Letras, no Baú do seu Pedro, a livraria grandona no Conjunto Nacional. Colocava na contemplação todo seu ser. Cofiava o imenso cavanhaque enquanto parecia absorver, no gesto, todo o ambiente. - É santo mesmo, doutor. Estava precisando, o Brasil. - Que é isso, Quinho? Quem é santo? - Não está vendo? O Padim Cícero. Taí, abençoando a Paulista. Olhei o imenso cartonado, em tamanho natural, colocado na vitrine para anunciar o livro de Lira Neto sobre a biografia do Padre Cícero. - Virou devoto do Meu Padim? Perguntei, em tom de galhofa. - Sempre fui, doutor. É santo mesmo. Até o papa está dizendo que é. Então é por que é. Não tem dúvida. - O papa ainda não disse, retruquei. Essas coisas demoram. Só para devolver os votos levaram um século, para santificar vai levar outro. - Vai não, doutor. Esse mundo precisa de santos e o Padim é um legítimo, falou sublinhando cada letra. Santo do sertão, santo de verdade. Bem na hora, quando o Brasil mais precisa. - Você acha mesmo? Perguntei. - Claro. Eu conheci um sujeito que nasceu em Juazeiro, a cidade que ele fundou. É um ungido do padre. Foi lá só para nascer, receber a bênção e sair por esse mundo dizendo as coisas boas e santas que meu Padim ensinou. Aprendi muito com ele. Ele me disse que não tinha porque ter nascido lá, que todo lugar é bom para nascer, exceto para saber direito o que se passou e ir dizer a toda gente. Um devoto, um portador da boa nova. Ele me contou tudo sobre o Padim, o que está no livro e o que também não está. - Você leu o livro, Quinho? - Li, doutor. Grande livro. Esse Lira Neto escreve muito bem, foi fiel. Mas tem coisas que não estão nos documentos históricos. Tem coisas que só a tradição oral pode dizer e testemunhar. Meu amigo, o Leontino, viveu a infância toda lá, ouviu tudo dos mais velhos, conversou com os romeiros e com as pessoas de lá. Foi aluno da Dona Assunção Gonçalves e da Dona Amália Xavier, gente que teve a chance de ouvir o meu Padim. Elas sabiam tudo direitinho. - Quinho, porque esse barulho todo com o Padre Cícero? Virou moda? - Sabe, doutor, é que Juazeiro do Norte vai completar cem anos de emancipação política, no ano que vem. Vai ter uma grande festa por lá, que aquela gente não se esquece das datas cívicas, especialmente das que envolvem a figura do Padim Cícero. E a cidade é um milagre obrado por ele, pelo que todos lhe são gratos. De certa forma o livro de Lira Neto antecipou as festividades e deu uma grande visibilidade para o centenário. - É mesmo? Então vai ter muito forró por lá. - Vai sim, doutor. Mas vai ter muita missa na catedral e na igreja de Nossa Senhora de Lourdes também. E nos Franciscanos. E na igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Em todas. Porque antes de ser cívico o momento é religioso. Em Juazeiro tem um reduto sólido de catolicismo popular que tem resistido a tudo, até mesmo à estupidez religiosa de alguns bispos que passaram pela Diocese do Crato. - É, Quinho, rezar é necessário, mais do que nunca. - Mas vai ter forró também, que é só alegria. Cem anos é um tempo grande. Quem diria! No pé da Serra do Araripe se ergue a cidade. Um milagre mesmo, contra tudo e contra todos. Quinho cantarolou a linda canção de Luiz Gonzaga: “Juazeiro, Juazeiro, Me responda por favor Juazeiro velho amigo Onde anda meu amor?” Nota do Editor: José Nivaldo Cordeiro (www.nivaldocordeiro.net) é executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL – Associação Nacional de Livrarias.
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