Lamento, mas não dá pra levar essa joça a sério. Nossos políticos do Poder Executivo e do Legislativo são mesmo uma piada. E por falar em piada, olha só uma destas que está circulando pela Internet e fazendo um tremendo sucesso. Não reivindico a invenção da mesma, porém reivindico o especial modo de narrá-la... Um deputado federal - desses que ficam segunda, terça e quarta em Brasília, quinta, sexta, sábado e domingo em seu estado de origem, quer dizer: todos os deputados federais que trabalham 3 dias e descansam 4; um deputado federal desses que recebem 14 salários por ano, mais 48 passagens de ida e volta de avião por ano, mais uma série de penduricalhos acrescentados ao salário básico; um deputado federal cuja grande preocupação após se eleger é ser reeleito, para ter sua aposentadoria garantida com apenas 8 anos (ou dois mandatos) enquanto os otários de seus eleitores têm que ralar 35 anos e, ainda assim, experimentam uma drástica redução salarial; um deputado federal, tal e qual assim descrito, mesmo gozando de impunidade pra lamentar, abotoou o paletó, i.e. passou desta para melhor, ou para pior (pois tudo depende do modus res considerandi). Como ele se achava merecedor do paraíso, dirigiu-se às portas do céu. São Pedro o recebeu cordialmente e foi logo dizendo que só ficava ali quem gostasse, mesmo que não merecesse, pois Deus era infinitamente bom e tinha perdoado os pecados de todas as criaturas humanas. Mas como Deus era também infinitamente compreensivo, ninguém ficava no céu obrigado. Tinha que ser como ao contrair núpcias: por livre e espontânea vontade de ambos os nubentes. Esclarecido isto, São Pedro convidou o deputado para entrar e disse logo para ele que ficasse o tempo que quisesse, que experimentasse bem a vida no céu. Caso não gostasse, não teria que ficar ali contra a sua vontade, i.e. a dele, do deputado, obviamente. O deputado entrou e se viu em um ambiente muito iluminado com um grande coral de anjos barrocos cantando e outros tangendo suavemente harpas. Quando os que lá estavam não estavam ouvindo o canto dos anjos ao som das harpas celestiais, estavam rezando ou fazendo meditação transcendental. O deputado achou tudo aquilo simplesmente tedioso, esperou durante duas semanas para ver se algo interessante acontecia. Mas como nada ocorria que pudesse lhe dar um mínimo de satisfação, foi até São Pedro e manifestou seu desejo de ir embora. São Pedro encarou com a maior naturalidade o desejo do deputado e disse para ele que fosse então experimentar o inferno. Caso ele não gostasse de lá, podia voltar para o céu onde seria recebido com mais satisfação do que antes, pois teria tomado sua decisão com pleno conhecimento da vida no céu e da vida no inferno, podendo assim as ter comparado e decidido qual a melhor. [São Pedro era um autêntico liberal: acreditava no livre arbítrio, na autodeterminação dos indivíduos e na liberdade de escolha diante de um leque de alternativas ou ao menos duas]. O deputado foi então para o inferno. Lá chegando, achou estranho que a porta era muito larga, mas não tinha ninguém para recebê-lo. Mesmo assim, tomou a decisão de entrar para ver como era a coisa lá dentro. Logo se deparou com uma grande festa: lindas mulheres, vinhos deliciosos, comida à farta, da boa e da melhor. Reconheceu alguns deputados já falecidos na festa e começou a conversar com eles. O próprio dono da casa não era tão feio quanto se pintava. Ao contrário, era um sujeito muito simpático, alegre, descontraído e grande contador de piadas. Sendo assim, o deputado foi de novo a São Pedro para comunicar sua opção: queria ficar no inferno. São Pedro perguntou se ele tinha pensado bastante e avaliado detidamente os prós e contras. Ele disse que sim: estava certo que era do inferno mesmo que ele gostava. São Pedro ainda voltou a perguntar se aquela era sua decisão final e o deputado, tendo lhe assegurado que sim, ficou liberado para voltar para o inferno. Ele voltou e novamente encontrou aquela porta muito larga, mas sem ninguém para recebê-lo. Já havia passado por isto antes e, por isto mesmo, não achou nada estranho. Transpôs a porta e se deparou com um pântano fétido, com muitos políticos atolados até o queixo nele. Não tinha lindas mulheres, nem vinhos deliciosos nem tampouco música. Aquele lugar era frio e sombrio e de vez em quando se ouviam lancinantes gemidos de dor entremeados por pios de coruja. Lúgubre e aterrorizante era pouco para descrever aquele local! Procurou o gerente da casa e lá estava ele. Não tinha nada de simpático. Ao contrário: era um sujeito muito feio, mal-acabado e carrancudo. Além disso, não parecia estar ali para contar piadas. Mesmo assim, o deputado resolveu tirar satisfações com ele. “Como pode ser isto! Eu estive ontem mesmo aqui e era tudo diferente?! Todo mundo alegre, tudo em festa, muitas mulheres bonitas, vinhos deliciosos etc.”. E o Tinhoso Pé-de-Pato então respondeu: “Acontece que quando você veio aqui, pela primeira vez, nós estávamos em campanha para ganhar seu voto. Agora nós já o obtemos”. Notinha elucidativa: What a diff’rence a day makes (Que diferença que um dia faz) é o nome de conhecida canção cantada pela inigualável Dinah Washington. Na realidade, versão americana de um antigo bolero intitulado Quando vuelva a tu lado. Nota do Editor: Mario Guerreiro (xerxes39@gmail.com) é Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade. Autor de obras como Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000). Liberdade ou Igualdade (Porto Alegre, EDIOUCRS, 2002).
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