Se há coisa que eu detesto é tal da teoria conspiracionista que sempre está vendo gigantes onde só há moinhos de vento e segundo a qual há sempre uma trama oculta elaborada por conspiradores, para dominar o mundo ou, mais modestamente, para subverter um regime político. Coisa bastante diferente é prever tendências com maior ou menor probabilidade de se transformarem em eventos reais. Se um indivíduo caminha, em movimento retilíneo uniforme, na direção de um abismo, só não cairá fatalmente no mesmo, porque não é uma bola atirada com força na direção do precipício, mas sim um ser movido por sua vontade, que até o último passo pode comandar seu corpo, ordenando ao mesmo um “Direita, volver!”... Assim espero até onde for realista esperar com otimismo... Pois bem, há muito tempo que os brasileiros estão caminhando na direção do abismo, sendo que cerca de 80% deles marcham alegre e descontraidamente, tão despreocupados quanto aquele “otimista” que se atirou do 26° andar de um edifício e quando estava passando lá pelo 5° pensou com seus botões: “Até agora, tudo bem!”. Quando ele se esborrachar no chão não devemos creditar tal evento a nenhum obscuro fatalismo determinando o destino de todos dos indivíduos humanos, mas sim à sua irrefletida, porém deliberada indiferença em relação à lei da gravidade. Os outros 20% não desejam caminhar na direção do abismo, mas são levados de roldão pela turba eufórica e ensandecida, seja por ignorância do perigo que os aguarda ao final dessa marcha da insensatez, seja por obter determinadas vantagens ao longo do caminho e só pensar no momento presente, numa total indiferença quanto ao futuro que não é outra coisa senão uma decorrência de determinada conjuntura presente. Já disse e reitero que 20% dos brasileiros não caminham por seus próprios pés, mas sim são empurrados por uma turba ensandecida, e o que quero dizer precisamente com isto é que eles - ainda que discordem visceralmente da maioria - tem de se curvar ante a vontade da mesma, pois esta é uma das mais destacadas feições de um regime democrático. E se a maioria discorda da liberdade de expressão – outra feição não menos importante da democracia? Os 20% podem manifestar sua diferença em relação à maioria, e tudo não passará de uma questão de um choque de incompatíveis visões de mundo. Mas se é um projeto de lei enviado pelo Chefe do Executivo, transformado em lei pelo Legislativo e esta diz que o Poder Executivo goza do direito de censurar qualquer matéria jornalística por esta não ser simplesmente de seu agrado?! Neste caso, os 20% são obrigados a acatar uma censura oficial com nítida coloração ditatorial, ainda que acreditem - como autênticos espíritos democráticos que possam ser - na total liberdade de expressão cujos possíveis excessos - prejudicando o setor público e/ou privado, pessoas físicas e/ou jurídicas - já são há muito puníveis por leis. Pois bem, uma das leis propostas pela confecom, organizada pelos Ministério da Justiça e Ministério das Cidades, está formulada exatamente como expressamos acima e o que é mais grave e de conseqüências simplesmente desastrosas: foi feita uma pesquisa de opinião pública em que cerca de 80% mostraram-se favoráveis à censura comandada pelo Poder Executivo!!! É simplesmente inacreditável! A que ponto chegou a maioria do povo brasileiro mostrando que não tem o menor apreço pela liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, um grande apreço pela tutela do Estado, como se os cidadãos brasileiros fossem débeis mentais, inocentes infantes ou mesmo silvícolas não-aculturados, todos considerados irresponsáveis na acepção jurídica do termo. O fato de outras pesquisas mostrarem que aproximadamente esse mesmo percentual de 80% é o dos que consideram o governo Lula bom ou ótimo é uma impressionante coincidência, porém nada mais do que mera coincidência estatística... No entanto, alguém que suspeitasse que estou sendo um catastrofista, bem nutrido por uma teoria conspiracionista qualquer, poderia alegar que a referida lei - bem como todas as elaboradas pela confecom - ainda têm que ser votadas pelo Congresso e este mesmo jamais aceitaria uma censura oficial do Executivo capaz de transformar o Presidente da República num Big Brother amordaçando a mídia, para que esta se transforme numa coisa anódina e incapaz de fazer nenhuma crítica ou denúncia de algo desagradável ao Executivo. Não nos esqueçamos de que o Congresso pode ter muitos defeitos e imperfeições, mas não é um corpo legislativo em que a maioria de seus membros mostre-se indiferente à opinião pública - não por qualquer sensibilidade à soberania do povo, mas sim por não querer desagradar à maioria - principalmente quando uma boa parte dos 80% de cidadãos consultados pela pesquisa é composta de eleitores cujos preciosos votos garantem novos mandatos. Diante disso, há por acaso alguma dúvida que o Congresso Nacional se colocará do lado da expressiva maioria de 80% dos que apóiam a censura comandada pelo Executivo? Por que estranha razão, os membros do Congresso se colocariam do lado de uma inexpressiva minoria de uns 20% que amam a liberdade de expressão? Só se estes mesmos não só a amassem como também estivessem dispostos a pagar muito bem por ela?! Aventar essa hipótese, no entanto, seria fazer uma suposição extremamente errônea: a de que a maioria dos nossos representantes em Brasília só presta culto ao deus Mamom, o bezerro de ouro e, por conseguinte, topa tudo por dinheiro, coisa esta muito longe de ser verdadeira! Resta-nos tão-somente uma única esperança: a de que seja feita uma alegação de inconstitucionalidade, uma vez que a Constituição nos garante o direito de liberdade de expressão – coisa visceralmente incompatível com qualquer forma de censura - e que esta mesma alegação seja finalmente recebida pelo STF. Como é quase certo que alguém ou alguma instituição - caso o Congresso vote a favor da censura - entrará na Justiça com a supramencionada alegação, o futuro da democracia no Brasil - aviltada sem o mais leve pejo pelos mentores da confecom – estará mais uma vez nas mãos do Supremo. Que os deuses imortais inspirem os magistrados mortais! Nota do Editor: Mario Guerreiro (xerxes39@gmail.com) é Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade. Autor de obras como Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000). Liberdade ou Igualdade (Porto Alegre, EDIOUCRS, 2002).
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