Desde pequeno, desde bem pequeno mesmo, ele observava de longe, intrigado, os encontros do pai com aquele homem de paletó marrom e sobrancelhas tão espessas que escondiam a chispa de avareza do olhar. O tal queria tudo, tudo. E cobrava. Ao final dos encontros, seu velho parecia cada vez mais fraco. Devolveu, primeiro, os dentes. Depois, os cabelos, a saúde em geral até a senilidade, mas aí era já a falência. O garoto foi entendendo aos poucos, embora a contragosto, porque lhe agradava demais a ilusão de autonomia plena. Assim, como aceitar a sujeição, mesmo que apenas relativa, a uma diretriz a ele superior? A vida, simples concessão, era para devolver! E, quando menos esperasse, chegaria a sua vez. Só ao aceitar esse limite, perdoou o pai sempre criticado pela falta de brios: pagou sem reagir até morrer. O filho herdou-lhe o escritório, onde, certa tarde, procurou-o o tal de paletó marrom. Pensou em escapar pelos fundos, mas... Para onde? Com um muxoxo conformista, acenou ao finório que entrasse. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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