O parecer do procurador geral da República, Roberto Gurgel, contrário à revisão da Lei da Anistia, é uma das peças mais lúcidas e responsáveis que se produziu ultimamente no meio jurídico-institucional. Afasta a possibilidade da reabertura da inconveniente “caça às bruxas” e o inoportuno renascer de uma luta que se travou no Brasil de 40 anos atrás. Se for abrir a possibilidade de responsabilização processual dos torturadores do regime de exceção, como propõem os revisionistas (entre eles importantes figuras do governo, que participaram da luta armada), por isonomia, há que se fazer o mesmo em relação àqueles que, a título de lutar contra o regime, pegaram em armas, também torturaram, seqüestraram, roubaram bancos, mataram e cometeram uma série de atos bárbaros, todos capitulados na legislação penal. Seria injusto abrir processos só para uns e deixar impunes os outros. E tudo isso redundaria num sofrimento sem qualquer serventia para o país de hoje, cuja maioria da população ignora ou faz pouco da ditadura, da luta armada e das outras escaramuças que os saudosistas fazem tudo para manter vivas e, até, delas tiram valioso proveito. A anistia é perdão incondicional (ampla, geral e irrestrita) e, como bem diz o parecer de Gurgel, resulta de amplo debate nacional, e reveste-se de sentido jurídico, político e simbólico. Foi através dela que se conseguiu a normalização da vida nacional, com a volta dos exilados, a libertação dos presos políticos e, mais recentemente, a discutível indenização que o governo concede unilateralmente só aos que lutaram contra os governos no período 61-79. Há casos de funcionários do governo de então que, sentindo-se também prejudicados pelas ordens legais que tiveram de cumprir, tentaram indenização, mas não a conseguiram! Na verdade, ninguém deveria receber indenização, a não ser pensões humanitárias aqueles que, em função da militância, não tivessem conseguido reunir um mínimo de seguridade e estabilidade para o próprio sustento na velhice. Abrir, no entanto, os arquivos civis e militares do período de exceção, pode constituir um grande avanço à sociedade brasileira que, finalmente, terá a oportunidade de acesso à chamada verdade histórica. Com a documentação acessível a pesquisadores e aos próprios interessados em conhecer exatamente a própria situação ou a de seus familiares, poderá se escrever a história do período e isso pode, inclusive, constituir-se num dos avais ao Estado Democrático de Direito. Todo povo tem direito à sua própria história! Quanto a reabrir processos, incitar ódios e retirar cascas de feridas aparentemente cicatrizadas, isso não interessa ao país. Governo e sociedade têm de olhar para a frente e ter o passado apenas como referência histórica para não se cometer no futuro os erros já conhecidos. Quanto aos ditos torturadores, subversivos e militantes de ambos os lados da contenda, hoje quase todos septuagenários ou mais, é melhor deixá-los em paz para cuidar de seus picos de hipertensão, artrites, osteoporoses, diabetes e de outras preocupações que o inexorável Senhor Tempo traz a todo indivíduo, independente de sua ideologia, fé ou posição social. As prioridades do Brasil são outras... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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