Apesar de noite avançada, havia cerca de vinte pessoas dentro do ônibus. E todos viram: sonolento a meu lado, um homem dos seus trinta anos desabava sobre mim o vexame de ter de ampará-lo em público. Sua cabeça acomodou-se no meu ombro, apesar de me esquivar o quanto pude, e mais ainda ao me abraçar como a um travesseiro. Foi quando ouvi risadinhas abafadas, enquanto eu expressava contrariedade. Tinha de me fazer de aborrecido para não imaginarem coisas, mas a verdade é que o fato, menos incômodo do que parecia, seria até suportável diante de pouca gente; de preferência, meus conhecidos. Mas ali... Ali, era sumamente constrangedor. Empurrei-o com o ombro, dei-lhe cotoveladas, tossi alto perto de seu ouvido, e tudo o que fez foi se aconchegar ainda mais, desta vez ronronando fonemas algo anasalados. Tive, enfim, de saltar e larguei-o ao acaso. Da calçada, ainda me fazia de contrariado, se bem me preocupasse o destino dele. Sosseguei ao ver que outro sentava a seu lado. E, como eu, com cara de poucos amigos. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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