Marx dizia que não era marxista. E ele até que tinha seus motivos para dizer o que disse no especial momento em que disse. Porém, de uns tempos para cá, alguns esquerdopatas e pós-modernos querem me convencer de que Maquiavel não era maquiavélico, embora ele jamais tivesse dito tal coisa. E haja hermenêutica para defender o indefensável! Por favor, menos! In claris cessat intrepretatio! A argumentação da professora Maria Lúcia Arruda Aranha, em Maquiavel: a lógica da força (São Paulo, Editora Moderna, 2001, p.7) é uma gracinha. Ei-la em síntese: “Em política, a máxima atribuída a Maquiavel – ’Os fins justificam os meios’ -, desligada do seu contexto parece privilegiar exclusivamente a eficácia da ação em detrimento da valoração da conduta moral. Seria Maquiavel merecedor da triste fama?”. Como ela fez uma pergunta, eu dou uma resposta: Sim!!! Se os objetivos justificam os meios, estes estão fora de consideração: basta os fins serem bons, louváveis e/ou apreciáveis, para que quaisquer ações sejam justificadas. Nos Anos de Chumbo, as esquerdas achavam que conseguir dinheiro para a revolução era um fim bom, louvável e apreciável. Admitamos até que fosse, para efeito de argumentação. Sendo assim, assaltar bancos e matar quem estivesse impedindo – como costumava fazer o Var-Palmares da companheira Estella - estava moralmente justificado. Não há contexto nenhum que justifique o uso da força e/ou da coerção como meio, tendo como finalidade se apoderar de propriedade alheia. E ponto final. Se você não pensa assim, seja cafetão de sua mãe, sua mulher ou suas filhas e as obrigue a fornicar com quem pague bem, como de fato fez - num ato de desespero total típico de uma personagem dostoiewiskiana - o desiludido contínuo de Nelson Rodrigues em Sete Gatinhos, que transformou sua própria casa em um bordel. Embora a referida professora venha com essa estória de “interpretação desligada do seu contexto”, ela é a primeira a reconhecer que Maquiavel tem gozado de péssima fama ao longo da história. Na realidade, ele é o pai da política sem nenhuma ética – que eu chamo de etitica na política - contrariando uma longa tradição aristotélica que não admitia a dissociação das duas coisas. Ela lembra, entre outras coisas, que o Papa Paulo IV colocou O Príncipe no Index Librorum Prohibitorum em 1559, e em 1564 o Concílio de Trento confirmou essa proibição. Na época de Shakespeare, um dos nomes mais comuns para o Diabo era Old Nick, “velho Nick” (abreviatura de Nicholas) em alusão a Nicollò Machiavelli. Além disso, Cromwell, Mazarin, Richelieu, Napoleão foram alguns dos muitos acusados de maquiavelismo. Eu acrescentaria a essa lista Rousseau, Bismarck, Robespierre, Hegel, Marx, Gramsci, Lenin, Stalin, Mão-Tsê-Tung, Pol-Pot, Hitler, Fidel Castro et caterva. E todos aqueles que defendem a mais imoral das máximas, a de que os fins justificam os meios. De onde se infere que essa estória de “crime político” é uma balela inventada por juristas esquerdopatas. Crime é crime, tal como previsto no Código Penal, independentemente das finalidades últimas do ato criminoso, seja ela usar o produto da rapina para comprar comida para crianças famintas, doá-lo para as vítimas de uma catástrofe como a do Haiti ou arrecadar fundos para a “revolução do proletariado”. O meio empregado, em si e por si, condena os fins almejados. Grande obra de fina ironia é o livro de Stanley Bing: O Que Faria Maquiavel? Os fins justificam os maus (Rio de Janeiro. Rocco. 2002). Trata-se de um tratado de Ética por antonomásia: dizendo o que você deve fazer, o autor mostra tudo o que você jamais deve fazer! Nota do Editor: Mario Guerreiro (xerxes39@gmail.com) é Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade. Autor de obras como Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000). Liberdade ou Igualdade (Porto Alegre, EDIOUCRS, 2002).
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