Há anos, o bico – trabalho fora da corporação – tem levado milhares de policiais civis e militares de todo o país a atuar perigosamente como segurança privada, de boates, bares, supermercados ou pessoal e até a exercerem funções incompatíveis com a função policial (como a de dançarino de boate) em busca de melhorar seus rendimentos. Pela lei, o policial trabalha em regime de dedicação exclusiva mas, como não pagam salários suficientes, os governos e suas corporações fazem vistas grossas e o problema se avoluma. Cada dia, mais policiais de alto cargo ou patente se aventuram no trabalho proibido. Agora, os governantes atuam para legalizar o bico e ainda autorizar seu executante a trabalhar fardado e com material do Estado. Embora esse trabalho extra seja, atualmente, uma realidade, a sua oficialização constituiria um retrocesso e um verdadeiro massacre ao próprio policial. O Estado, ao ditar dedicação exclusiva, assume a obrigação legal de pagar salários compatíveis com a função e suficientes para o funcionário viver e sustentar sua família. Como não o faz, a fórmula encontrada para poder pagar as contas, educar os filhos e viver razoavelmente, é o bico. Em vez de pensar na sua legalização, os governos têm o dever de recompor os salários e, a partir de então, com a moral resultante da medida, proibir o trabalho irregular. Jamais tolerar ou legalizar. Normas da OMS (Organização Mundial da Saúde) dizem o quanto em horas o homem, em cada profissão, tem que trabalhar e qual o seu tempo de folga, para poder descansar, ter lazer, estudar e cuidar da família. Do jeito que faz, o governo além de não dar o aumento salarial, astutamente aumenta a sua carga horária. Quando é arrastado para o bico, o policial, como ser humano que é, entra em estresse e até em depressão. Isso pode ser um dos motivos da elevação do número de suicídios na classe policial. Logo, deduz-se que policial que faz bico não o faz porque quer, e sim em razão do baixo salário que recebe. A proposta de legalização e da possibilidade do policial fazer bico armado com a arma e o uniforme da corporação, é absurda. Constitui um verdadeiro estelionato à classe e à sociedade. Ao ver grande número de policiais fardados, o povo terá a idéia de segurança, mas só que aqueles policiais estariam trabalhando para quem lhes paga o bico e não para o povo. O pagador do bico também estaria prejudicado, pois estaria pagando duas vezes pelo mesmo serviço, já que o Estado é responsável por proporcionar segurança pública, custeando-a com o dinheiro arrecadado dos impostos. E o próprio policial também restaria prejudicado porque, em vez da jornada que seu físico permite, estaria atuando também no seu horário de folga (como hoje faz clandestinamente) para receber um salário que o Estado tem a obrigação de lhe pagar. Se legalizar o bico, o Estado tem a obrigação de reduzir a jornada oficial, pois ninguém agüenta tantas horas de trabalho. Segurança Pública não é brincadeira. É um dos setores mais sensíveis da sociedade. Infelizmente, os governos têm faltado com suas obrigações em salários condizentes, treinamento, equipamentos e meios de atuação. Milhares de policiais já perderam a vida por causa dessa omissão estatal. Precisamos curar essa grande ferida, antes que se torne incurável... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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