O 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, instituído por decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, contradiz todos os avanços políticos do País nas últimas três décadas e até mesmo algumas significativas conquistas do atual governo. Trata-se de verdadeira tentativa de golpe contra o compromisso que a sociedade brasileira fez com a democracia em 1984, quando saiu às ruas, em comícios e passeatas memoráveis, pacíficos e cívicos, na inesquecível campanha das "Diretas Já". Estabeleceram-se, naquele processo, há 26 anos, bases sólidas para o estado de direito, que se refletiram na Constituição de 1988, uma referência quanto às prerrogativas da cidadania, independência das instituições e liberdade de expressão. Toda essa saga pacífica e ordeira em prol do ordenamento institucional está colocada em cheque no insipiente plano, uma espécie de constituição alternativa. A matéria já é uma excrescência ao propor o casuísmo de revogação da Lei da Anistia, de inegável importância para a normalização das relações políticas nos anos 80. Não se pode, agora, punir os anistiados, sejam quais forem, pois isso representaria quebrar a referência legal que estabeleceu acordo tácito de pacificação de nossa sociedade. Além disso, conforme vêm apontando algumas das mentes mais lúcidas deste país e até mesmo integrantes do próprio Governo Federal, o plano tem um viés de inaceitável populismo, reduz as atribuições do Parlamento, abre perigosas exceções ao direito de propriedade e às deliberações do Judiciário e cria condições para uma retomada do controle estatal da comunicação e até para a interferência na pesquisa e inovação. É inaceitável por parte de uma população que, como poucas, soube conquistar sua democracia por meio do exercício da política em sua melhor acepção. Exemplos do quanto o plano do Governo Federal é obtuso encontra-se no tratamento que confere à agropecuária, que acusa, de maneira totalmente injusta e descabida, de atentatória contra os direitos humanos. O mais grave é o fato de a proposta desqualificar o Judiciário no julgamento de questões ligadas à reintegração da posse de terras invadidas, no campo e nas áreas urbanas. Isto significaria imensa debilidade do direito de propriedade, um dos alicerces inexoráveis da democracia. Outra conquista legítima dos brasileiros sob ameaça do programa é a liberdade de expressão. Nesse aspecto, o mais grave é o estabelecimento de patrulha ideológica no processo de seleção dos livros didáticos no sistema de ensino. Como integrante da cadeia produtiva da comunicação e da produção editorial, a indústria gráfica repudia de modo específico esse item, assim como se manifesta contrariamente a quaisquer medidas que possam significar retrocesso, solidarizando-se, ainda, às entidades que já se posicionaram contra a inaceitável proposta, como a ANJ (Associação Nacional de Jornais) e a ANER (Associação Nacional dos Editores de Revistas). Em síntese, o plano é um conjunto de medidas desconexas, totalmente desvinculadas da realidade, anacrônicas e sem qualquer eficácia. Um programa eficaz de direitos humanos deveria propor, necessariamente, uma estratégia responsável de assentamento fundiário em terras devolutas, garantir a segurança jurídica de todos os cidadãos e empresas, hoje sujeitos, por exemplo, aos crimes de invasão de suas propriedades, invariavelmente impunes. Direito humano é escola e saúde públicas de qualidade e acesso universal à educação e à cultura; é garantia ao trabalho, inclusão social por meio de emprego e renda, prevalência das prerrogativas individuais e coletivas inerentes à cidadania, bem como respeito à Constituição e ao marco legal. Ainda é tempo de evitar o imenso retrocesso institucional e o rancor político que o programa certamente suscitaria, maculando um governo que promoveu inegáveis avanços socioeconômicos. Assim, presidente Lula, enviar o decreto a uma profunda e lúcida revisão não significaria qualquer derrota política, mas o reconhecimento dos brasileiros a um gesto de humildade e senso crítico, característico, aliás, dos verdadeiros estadistas. Nota do Editor: Fabio Arruda Mortara, M.A., MSc., empresário, é presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf Regional São Paulo) e da Associação Latino-Americana de Artigos para Livraria e Papelaria (ALALP).
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