Talvez seja um dos maiores problemas da nossa sociedade e que é potencializado nas grandes metrópoles, terra dos sonhos de muitos imigrantes. O aumento populacional, seja pelas migrações do interior para os maiores pólos devido à mecanização da agricultura no campo, seja pelo crescimento vegetativo que levou ao inchaço das nossas cidades. Esta corrente migratória em busca de emprego, dos benefícios da vida urbana e conseqüentemente do uso do solo para poder morar, acaba em desilusão quando deparada com valores, muitas vezes exorbitantes, em relação à renda dos mais desabastecidos. A elevação desenfreada dos preços dos imóveis inviabiliza para grande parte da população o acesso à residência própria, grande sonho dos cidadãos e estes acabam encontrando na invasão de terrenos baldios, uma forma para garantir o acesso à moradia. Esta expansão citadina desordenada traz conseqüências graves a nossa sociedade e de dificílimas soluções: como a falta de saneamento básico, acesso à saúde, à segurança, ao transporte, a educação, somados às décadas de invasões e à ausência de uma política continuada de urbanismo. Manchete em inúmeros noticiários, o tema da apropriação indevida do solo é o registro do descaso dos nossos governantes, e está em todas as partes, seja no campo pelo MST, nos terrenos desocupados nas periferias, nos imóveis da união ou nos prédios abandonados nas áreas centrais das metrópoles. Um misto de incapacidade e conivência do governo ao lidar com a propriedade privada e estabelecer uma política séria de prevenção. Além do descaso do poder executivo, a legislação favorece muitas vezes o próprio invasor, quando pensamos na forma caótica e morosa de se reintegrar posses. Como explicar tanta facilidade para se invadir imóveis e tanta dificuldade, morosidade e custos para os cidadãos solicitarem a reintegração da posse dos seus imóveis invadidos? Como entender que se permita pelos governos, que concessionários instalem luz, água e depois iluminação em áreas invadidas dando aval a estas invasões? Por trás deste “corpo mole” dos governantes, claro que há intenções de se evitar desgaste político frente aos eleitores. Entretanto, a carência de uma política de urbanismo acabou gerando cidades com crescimento totalmente caótico, com especulação imobiliária e concentração de renda, que acabam inviabilizando uma moradia descente a grande parte da população mais carente. Além da questão legal sobre a invasão da propriedade privada, temos as invasões de propriedade pública, que são muitas vezes impróprias como encostas de morros, beiras de córregos e rios, e terrenos de antigos lixões como o caso do deslisamento do morro do Bumba em Niterói. Enfim, quando se almeja morar, o desespero das camadas mais desabastecidas da sociedade é total, que vale tudo até acontecer estas catástrofes. Outro aspecto assustador desta ausência de política frente às invasões são as criações de verdadeiros guetos urbanos que se transformam em terra-de-ninguém para não dizer terra do crime organizado. São na maioria das vezes altíssimos os índices de violência e criminalidade nestas áreas invadidas. A falta da presença do Estado em certas regiões da periferia das metrópoles e áreas de risco é gritante e acaba criando uma verdadeira gangrenagem das metrópoles. Difícil talvez seja entender que a sociedade brasileira nos primeiros tempos se instituiu e foi construída acima das invasões de terras alheias e acabou usando este meio como maneira eficaz e barata de se conseguir propriedades. Esta parte da história continua mal digerida até hoje e seria uma das formas de se explicar o descaso do governo e certa passividade da nossa sociedade. Como podemos aceitar termos cidades com verdadeiros guetos e subcidades aonde se criam pequenos estados dentro da nação aonde o governo tem dificuldade de atuar? Importante relembrar que nossa sociedade se constituiu, desde o início dos tempos, acima do direito à preservação da propriedade individual. Deste modo, um dos atos mais graves para a sociedade embasada na Constituição Federal, a invasão de bens alheios e a destruição desta premissa leva ao caos e a anticonstitucionalidade. Graças a passividade, acabou-se criando uma verdadeira indústria da invasão, onde grileiros se apossam de um terreno para depois vendê-lo. O que podemos esperar quando temos o exemplo de instituições como o MST que desenvolveram como meta principal a invasão como forma segura de se obter propriedades de forma rápida, com baixo risco e baixíssimo custo. Infelizmente instituições como o MST que tem como cerne a apropriação de terras alheias não são atacadas pelos órgãos competentes do governo e até parecem serem protegidas pelos nossos governantes. É perceptível o problema das ocupações irregulares de terrenos para moradia da população de baixa renda na maioria das grandes cidades brasileiras e em muitos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. No entanto, é chocante notar a passividade da população brasileira em aceitar o descaso do governo. Quantos acidentes como os de Niterói, de Angra dos Reis e São Paulo serão necessários para serem criados mecanismos eficazes de preservação do solo urbano das invasões? Nota do Editor: Patrick Guernet é engenheiro civil e sócio-diretor da Mariana Cecchini Aarquitetura & Gerenciamento.
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