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Opinião
22/05/2010 - 07h14
Da arte de construir uma velhice feliz
Alves Jana
 

Trata-se de celebrar os 12 anos já cumpridos desde o primeiro dia da fundação da Universidade da Terceira Idade de Abrantes. Que seja este um momento de homenagem a todos quantos deram corpo à história desta casa.

Não é muito tempo, mas é já uma bonita idade se a pensarmos entre as organizações que se dedicam a um problema social novo, o progressivo envelhecimento da população portuguesa. Dentro de 50 anos, em 2060, mais de metade da população portuguesa terá mais de 55 anos e um terço terá mesmo mais de 65 anos. Muitos serão os impactos deste perfil demográfico sobre a segurança social, a saúde e a economia. Devemos ter em conta também, e talvez sobretudo, as oportunidades que também nos oferecem. E é aqui que a UTIA tem exercido um papel da maior importância, mas que está apenas começado.

O envelhecimento é um fenómeno biológico e ocorre mesmo sem o nosso consentimento. É também o significado que lhe atribuímos. Dele deriva, em muito, o modo pessoal e social como vivemos o envelhecer e a velhice e nos organizamos com e face aos nossos velhos. "Velhos" no seu sentido mais nobre, que não é coberto pelo termo "terceira idade" ou "seniores". O aumento do peso demográfico dos mais velhos na estrutura social faz com que muitas vezes sejam referidos apenas como peso, como ameaça. O mito urbano da eterna juventude vem colocar o envelhecimento e a velhice do lado desvalorizado. Perda de tudo aquilo que seria bom, ou seja, as características da juventude.

Envelhecer não é apenas nem sobretudo perda. É, sim, transformação - perda de algumas características e ganho de outras, que os jovens não têm. É aqui que o problema está em aberto. Temos de perceber e valorizar as características próprias da velhice. Temos de construir as novas formas sociais de viver a velhice num tempo novo e numa forma social que nunca existiu e, por isso, temos de ser nós a criá-la. Temos de aprender "a sublime arte de envelhecer e tornar-se uma bênção para os outros".

Há três passos essenciais: a aceitação, a renúncia e a transcendência. É necessário aceitar o processo de envelhecer e tudo o que ele acarreta. É indispensável renunciar àquilo que a velhice significa de perda. De velocidade, por exemplo, de força, de saúde, de frescura juvenil, perda de poder, de alguma vitalidade sexual, de algumas relações, perda tantas vezes do marido ou da mulher, dos amigos. E mesmo perda da própria vida. Porque envelhecer é caminhar inevitavelmente para a morte e viver uma velhice feliz é também preparar-se para morrer.

Envelhecer é um processo de transformação - descobrir e cultivar os valores da velhice e as novas formas sociais de viver uma velhice feliz e socialmente produtiva, prestando um olhar atento aos valores da velhice. Valores que a juventude não tem, ou tem em muito menor grau. "A serenidade, a paciência, a mansidão, a liberdade, a gratidão e o amor". Aqui falo de um amor depurado pelo tempo, que resistiu e superou as dificuldades da vida, que construiu uma história comum que está agora construída sobre o essencial. Valores dos mais velhos são também a disponibilidade para o silêncio, para uma vida interior mais cultivada, para uma atenção maior aos outros.

Os velhos são aqueles que já viveram muito. O saber dos mais velhos é feito de experiência vivida e reflectida. E é esse saber que faz de um velho um sábio. Por isso que o termo "velho" é carregado de nobreza, de poder (outro poder), de virtude, ou seja, de sabedoria, e por isso não deve perder-se.

Nem todos os velhos são assim. Há-os maus, rancorosos, atormentados por uma juventude perdida ou por uma vida desperdiçada. Uns querem parecer sempre jovens e são cada vez mais ridículos. Outros sofrem atormentados por aquilo que perderam, sobretudo por terem perdido a dignidade e por não perceberem possibilidades novas de um futuro criativo. Aqui vem o passo da transcendência. Para uma velhice sábia é necessário atravessar os vales da vida, incluindo as perdas, e transcender o que ficou para trás. Elevar-se, construir num plano mais elevado uma nova morada. É essa a arte de envelhecer com sabedoria.

Os jovens constroem a sua morada tantas vezes sobre areias movediças. O que está na moda, o que dá mais dinheiro, uma beleza fugaz, o sucesso social aparente, o êxito de uma carreira ascendente. O velho sabe que tudo isso passa. Pode transcender essas ilusões e construir a sua nova morada sobre sobre valores mais profundos. Por isso os velhos têm na sociedade um lugar insubstituível. São o lugar da sabedoria. Mostram aquilo que os jovens nunca podem descobrir por si mesmos. São a memória viva do tempo de onde vimos, revalorizam o presente colocando-o face a um passado próximo. São a afirmação de que o mito da eterna juventude é isso mesmo, um mito, e que a morte virá um dia. Os velhos podem ser sábios ou máscaras desfiguradas resultantes de vidas perdidas. E são, nessa dupla possibilidade, a afirmação de que a vida não é apenas uma sucessão de momentos que se esgotam em si mesmos, mas um caminho que se faz caminhando e o ponto de chegada é aquele para onde nos dirigimos dia após dia ao longo dos anos.

Temos de descobrir como é que esse olhar esclarecido dos mais velhos pode participar do processo social de que faz parte e do qual não pode ser excluído.

Descobrir significa inventar novas formas de fazer na velhice uma vida com sentido. Não é a repetição do que foi a vida de juventude, nem a repetição do que foi a vida dos velhos das gerações anteriores, pois o mundo é outro e assim como os jovens não podem repetir a juventude dos seus pais, também os velhos não podem repetir a velhice dos que os precederam. Novos e velhos, temos todos os dias de reinventar o mundo e a vida. Por isso a velhice deve ser ainda um tempo de aventura, de descoberta, de criatividade.

Recebi há pouco tempo um livro de uma senhora brasileira que se apaixonou pela escrita depois de se reformar. Hoje tem uma actividade literária intensa. Embora se aproxime dos 70 anos, Regina Alonso não desiste do banquete da vida. Do seu livro Ofício, retiro um poema que é uma lição:

Mesa farta

Não aceito migalhas. Não sou passarinho.
Quero o pão inteiro, garrafas de vinho.
Não quero acenos. Sou mais de chegadas.
Distâncias profundas deixei pela estrada.
Dispenso meia taça. Sirva-me por inteiro.
Do primeiro gole até o derradeiro!
Quero a mesa farta e não peço perdão.
A vida perdura na eterna procura
Com sofreguidão!

Não há idades para desistir de viver por inteiro. Mas temos ainda muito para aprender. Sobretudo com quem vai à frente, como a UTIA, a abrir caminhos e a acender luzes no escuro. Muito, quase tudo, está ainda por fazer num trabalho em que os mais velhos são indispensáveis. Porque o que está em causa é a procura de uma forma de todos vivermos juntos. Ou, uma nova forma de envelhecermos juntos e com proveito para todos. Uma velhice feliz... um velho sábio é uma suprema forma dessa arte maior que é a arte da vida bem vivida. E é também pelo seu papel de construir um final feliz para as vidas dos mais velhos, que a UTIA está de parabéns. E que nós lhe devemos um imenso obrigado!


Nota do Editor: Alves Jana nasceu em Lisboa. Formado em Filosofia, licenciatura, mestrado - em processo de doutoramento. Professor - 1973 a 2009. Jornalismo: jornais e rádios locais. Criação e direcção de várias associações culturais e sociais.

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