Uma questão de cultura brasileira
Dizia Monteiro Lobato que "um país se faz com homens e livros". Há pouco mais de um mês, o Estado de S. Paulo publicou em seu caderno de Cidades que São Paulo preserva 1% dos seus documentos históricos e falou das situações dos tais arquivos mortos, que historiadores conhecem e sabem muito bem a dificuldade que é utilizá-los e o descaso das autoridades com suas instalações. Conheço incontáveis acervos totalmente entregue às traças pela visão rasa, quando não corrupta, de governantes, gerentes e diretores, que não dão importância à cultura e não aplicam políticas honestas e competentes para Gestão Documental. Ter arquivos organizados, museus e bibliotecas públicos bem geridos é um conceito de qualidade e democracia sob o qual, infelizmente, o Brasil não tem atitude. Um país que se gaba do preceito de ser democrático deveria, portanto, se preocupar em organizar e gerir bem os seus acervos, possibilitando ao jovem e ao adulto em geral o conhecimento de sua história. Um país que não cuida da ética, não pensa no cidadão, não dá importância a seus arquivos, museus e bibliotecas, não dá importância para a sua história, é um país desmemoriado. Cultura e qualidade andam juntas. Cultura é livro, pesquisa, conhecimento, e podemos pensar que realmente não interesse tanto aos governos brasileiros esse investimento. Na época da ditadura, essa era o referencial sobre tal problema, atribuindo-se ao "perigo" do conhecimento da população a possível queda do regime autoritário. Quanto mais cultura, mais informação. Pane et circense. Mas e o que dizer dos governos atuais, democráticos, que apregoam a importância da cultura? Nesse quesito de gerenciamento de acervos públicos, são demagógicos. Fazem as coisas de fachada, só na inauguração do prédio do arquivo com instalações caras, informatizações astronômicas e altos gastos para os cofres públicos... Não há Gestão Documental dos acervos públicos, honestamente. Basta perguntar aos inúmeros cientistas, historiadores, professores, repórteres, estudantes, e ver a grande dificuldade que é buscar informações organizadas. Seguindo a mesma cultura, a mesma cartilha brasileira de gestão de memória de acervos públicos, não há também Gestão Documental nos arquivos empresariais. As empresas não dão importância aos seus acervos, embora seu marketing apregoe responsabilidade social, qualidade, mesmo com arquivos, totalmente desorganizados, terceirizados em empresas de guarda, ou em arquivos próprios que estão uma verdadeira bagunça e que são a fonte de informação para o consumidor final e a qualidade. Não há o menor interesse em se preocupar com essa estratégia. Os arquivos não são prioridade. Há uma visão míope da questão, originada na cultura brasileira de preservação de acervos. Seria salutar criar e aplicar leis de arquivos privados, com iniciativas como a dos Estados Unidos que instituiu uma lei de fundo contábil, obrigando as empresas a manterem organizados os seus registros para preservarem o cidadão investidor de falcatruas de manipulações documentais. Seria muito salutar para a ética empresarial pública e privada deste país e os auditores e o Ministério Público agradeceriam. O que aconteceu com o maravilhoso acervo do Instituto Butantã expõe mais uma vez a demagógica gestão de arquivos em geral, feita de fachada, sem investimentos honestos, onde os registros, as amostras, os documentos são encarados como um monte de coisa velha, lixo, uma grande bagunça, sem qualquer prioridade, o quartinho esquecido ou o galpão profissional com documentos vencidos. Só ganha prioridade, notoriedade quando a casa caiu, quando o fiscal multou, quando o documento pegou fogo, quando recebe a visita de uma celebridade, quando serve de prova para ajudar a prender um ladrão de colarinho branco. Só aí o acervo é importante. Ao pessoal do Butantã, professores, pesquisadores funcionários resta apenas a nossa solidariedade. Nota do Editor: Suely Dias dos Santos é diretora da Técnica Gestão Documental.
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