Em 1916, durante uma noite de carnaval o transatlântico “Príncipe de Astúrias”, que seguia em direção a Argentina, naufragou na laje submersa da Ponta do Pirabura, atrás da Ilhabela. Eram oficialmente 654 tripulantes e 177 sobreviveram. Nos dias que se seguiram os mortos surgiam nas praias e um corpo de mulher foi encontrado boiando por um pescador. No primeiro momento a surpresa, mas logo depois a cobiça: a morta estava com jóias, brincos, colares, broche e anel. O pescador se interessou pelos objetos e passou a tirá-los, porém o anel não lhe saía do dedo, que já estava inchado, devido ao tempo no mar. Ele então pegou a faca e decepou-lhe o dedo, tirando assim o anel. Por um momento observou em silêncio a beleza da mulher e sem se conter, beijou a morta. Afastou-se com a canoa do corpo mutilado e voltou para casa. A esposa observando sua agitação não o repreendeu, porém comentou: - Poderia pelo menos ter trazido o corpo, para fazermos o enterro. O pescador escondeu as jóias no forro da casa e passava os dias pensando como poderia vendê-las sem despertar suspeitas. Resolveu então que iria para Santos, lá estaria mais seguro, venderia as jóias, passando despercebido. Certa noite, porém, teve um pesadelo: a morta mostrava-lhe a mão, sem o dedo e chamava-o de ladrão. Acordou do pesadelo muito agitado e nunca mais foi o mesmo. Era o remorso. Sua esposa tentou ajuda-lo com benzimentos e rezas, mas nada adiantou, ninguém sabe realmente o que aconteceu naquele dia, ele vivia perguntando para as pessoas: - Oubistes? Ela está me chamando... Quando chegou o dia da festa de São Pedro, no Bairro de São Francisco, a mulher resolveu leva-lo, na esperança da cura. Vieram para São Sebastião, ficaram na casa de parentes, participaram da festa assistiram à procissão e logo depois o homem começou a beber. Voltou para casa de madrugada, bêbado e quando a esposa foi abrir-lhe a porta da cozinha, ele pegou a faca, correu atrás dela e a matou, nas pedras da Praia de São Francisco. Ficou preso por algum tempo, mas no fim da vida, vagava pelas praias, falando sozinho. Não se sabe ao certo onde foram parar as jóias. Versão / Contos e Lendas. Lima, Benedicto. São Vicente SP: Ed. Danúbio, 1990
Nota do Editor: Maria Angélica de Moura Miranda é jornalista, foi Diretora do Jornal "O CANAL" de 1986 à 1996, quando também fazia reportagens para jornais do Vale do Paraíba. Escritora e pesquisadora de literatura do Litoral Norte, realiza desde 1993 o "Encontro Regional de Autores".
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