Noite dessas eu voltava a pé para casa quando fui abordado por um dos três senhores que estavam contemplando o rio que contorna a Ressaca. Eram notavelmente magros, um era negro e usava óculos escuros, embora fosse noite, outro era branco, muito branco e tinha os cabelos brancos e lisos cortados a lá pajem. Do terceiro não pude perceber as características, pois logo que fui abordado ele andou em direção ao rio e desapareceu na escuridão. No princípio cheguei a ficar apreensivo, mas logo senti que eram pessoas de bem, estavam muito bem vestidos, e senti que havia alguma coisa de familiar neles, embora nada me ocorresse que eu pudesse relacionar com esse sentimento. O senhor de cabelos brancos perguntou se eu entendia de pedrascas. Confesso que fiquei confuso, nunca tinha ouvido essa palavra antes. Ele notou e tentou de outra forma. Se o senhor não sabe o que são pedrascas, poderia nos indicar alguém que entende de argolões? Continuei sem saber o que dizer, para ser sincero são raras essas oportunidades na vida, eu não tinha idéia do que ele estava falando nem do que pretendia. Eu já me preparava para ir embora quando o senhor negro de óculos escuros caminhou em direção ao rio, no qual entrou e andou sobre as águas, como São Pedro. Uma luz argenta iluminou a cena quando o luar atravessou uma brecha que subitamente se abriu nas nuvens. Do meio do rio ele começou a cantar, I can’t stop loving you... A voz inconfundível era a mesma, ali sobre as águas estava o inigualável Ray Charles, cantando e dançando com um coro de vozes que pareciam vir das nuvens. O senhor de branco olhava extasiado, foi aí que percebi de quem se tratava. Era Ray Conniff, que regia uma orquestra de músicos invisíveis. Ray Charles continuou desfilando seu magnífico repertório, sentei-me numa pedra e assisti ao show inesperado com a sensação de que era um dos melhores que já tinha visto. Depois de cantar Geórgia, que bisou agradecendo aos meus aplausos, o grande artista deu o show por encerrado e voltou para a margem. Ray Conniff tornou a perguntar se eu entendia de pedrascas. Respondi que não, eles então se afastaram em direção à estrada onde uma limusine os aguardava. O terceiro personagem também muito magro, juntou-se aos dois. Logo que embarcaram a limusine decolou sem fazer nenhum ruído e desapareceu na escuridão da noite. Nunca saberei quem era o terceiro homem, sei apenas que era outro Ray. Certamente não era o Ray Pelé. Sempre me pergunto o que teriam vindo fazer na Ressaca os Rays magros? E o que seriam as pedrascas e os argolões? Perguntas sem respostas.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
|