O que é causa e o que é consequência?
O conflito do Oriente Médio é grande gerador de notícias, quase sempre ruins, ao longo de dezenas de anos. Muitas de caráter puramente local, relacionadas ao embate direto entre os objetivos táticos e estratégicos do estado judaico e da aspiração nacional árabe-palestina. Outras têm implicações regionais e internacionais, envolvendo questões consideradas universais, como o terrorismo, o islamismo radical, os interesses econômicos e as visões globais das chamadas ‘potências’ e das ‘potências emergentes’. A mídia e a opinião pública reagem a essas notícias com conceitos genéricos (ideologias, desejo de paz, defesa de direitos humanos, defesa dos direitos dos povos, interesses globais) que são usados como fundamento de posições, opiniões e atitudes. O apriorismo se expressa, por exemplo, quando se considera o ataque de Israel a Gaza para deter os contínuos ataques a sua população civil com mísseis lançados de lá (depois que Israel retirou-se unilateralmente de Gaza) como ‘crime de guerra’, mas nenhuma condenação se ouviu quanto ataques com mísseis durante anos, de uma região já não ocupada por Israel. Quando se condena Israel por ter impedido a entrada de um intelectual famoso por seu anti-israelismo, mas não as instituições acadêmicas que boicotam intelectuais israelenses como represália a políticas que eles mesmos muitas vezes condenam. Quando se enviam flotilhas com ‘ajuda humanitária’ para Gaza, e se ignora os caminhões de gêneros, remédios, combustível que entram em Gaza normalmente a partir de território israelense, que mantém ‘cerco’ para contrabando que inclui armas, explosivos e até mísseis. Tudo isso (as notícias em torno de cada frase, gesto, protagonistas, predisposições e a guerra de propaganda) se faz das conseqüências, e não das causas de um conflito cujo fundamento não é a questão específica de Gaza, nem a construção de casas para judeus em Jerusalém. Nem mesmo o fim da ocupação seguido da implementação da solução de dois estados para dois povos. Nada disso constituiria motivo inarredável para o conflito, e num contexto de paz verdadeira tudo poderia ser facilmente resolvido nos termos de um acordo. A verdadeira questão continua a ser, há quase cem anos, a da existência ou não de um único e minúsculo estado judaico num mundo em que há pelo menos 15 estados árabes, sem falar nos de maioria islâmica. O que ainda hoje é explicitamente rejeitado não só pelo Hamas, ou pelo Irã, mas pelos ‘moderados’ negociadores palestinos, Abbas, Erekat & cia. Se as lideranças palestinas e as lideranças árabes do mundo, representando seus povos, assinassem hoje um acordo que reconhecesse que Israel, nas fronteiras básicas de 1967, é o estado do povo judeu, e que o povo judeu, como o povo árabe, tem direito a esse estado, todas as outras questões seriam facilmente resolvidas. Mas para isso o Irã, o Hizbolá, o Hamas, e a Síria, teriam de deixar de ver um acordo para estabelecimento de um estado palestino árabe a 16 km de Tel Aviv como um simples avanço tático em sua estratégia de extinção do estado judaico. Enquanto isso não acontecer, o cerco ao Hamas é legítima defesa. A exigência de fronteiras defensáveis (inclusive com muros de proteção) não é apartheid. A desconfiança com relação às intenções nucleares do Irã é mais realista que a ‘ingenuidade’ de Lula e Erdogan, a lembrar Daladier e Chamberlain em 1938. Nem todos os israelenses, nem todos os judeus apoiam qualquer política de governo de Israel. Mas nenhuma nação, nunca na história, foi estigmatizada e demonizada como um todo – como tem sido Israel – por causa de seus governos. Não o foram os alemães, os japoneses, os sérvios, os cambojanos. Há forte cheiro de antissemitismo no ar, e qualquer notícia pode lhe ser pretexto. Então, o que é causa e o que é consequência? Nota do Editor: Paulo Geiger é editor, atua como consultor-geral e palestrante no Centro de História e Cultura Judaica do Rio de Janeiro, além de ser membro do Conselho do Departamento de Estudos Judaicos da UERJ.
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