O que você prefere ser? Metade da laranja, tampa da panela ou panela da tampa? Esse foi o tema de uma conversa que tive com minha irmã caçula um dia desses. O bate-papo começa comigo: - Eu discordo dessa ideia de que a gente precisa de alguém para ser feliz, que sem fulano eu não vivo... Essa coisa de você me completa, de nunca mais vou amar outra pessoa... Eu acho que a gente tem que ser inteiro de verdade primeiro para depois escolher alguém para compartilhar o que você é. Tem que ser alguém com quem você vai estar ao lado porque quer e não porque precisa. Não é justo jogar a responsabilidade da sua felicidade nas mãos de outra pessoa. Sufoca o outro enquanto esvazia você. Eu mesma já fui sufocada várias vezes. A relação não é sustentável. É constrangedora. Demorei encontrar alguém completo como eu. Quando encontrei, não hesitei em aceitar o pedido de casamento pra daí três meses. Foi aí que entendi a insegurança nos pedidos anteriores (que foram negados – claro): é que eu não queria assumir a responsabilidade de ser tudo aquilo que queriam que eu fosse. Eu não queria preencher o vazio dos namorados incompletos. Não queria estar num pedestal nem perder a minha humanidade. - Mas o mundo inteiro acredita que é incompleto e precisa de uma alma gêmea. As pessoas falam que estão procurando “a metade da laranja”. Tem até uma música que fala: “as metade da laranja...” Só que se você for ver, a laranja já nasce inteira e só é partida ao meio na hora de fazer o suco. E como é que a gente faz um suco de laranja? A gente usa o sumo e joga o bagaço fora. É ou não é? Eu, hein! Tô fora de ser laranja. Fala sério. Quem é que sonha em ser a metade de uma laranja procurando a outra metade? - Pode crer. Concordo plenamente com você, mana. Essas metades nunca mais vão se juntar para fazer a laranja inteira. Só dá pra juntar mesmo o sumo no suco. Deve ser por isso que os relacionamentos baseados nas metades da laranja não dão certo. - Também tem a tampa da panela. Mas você prefere ser a tampa ou a panela? - Boa pergunta. Cara, esse assunto rende um artigo. Olha só, a panela é quem recebe os ingredientes que são admirados e consumidos. A tampa só serve para ajudar a reter o calor que serve para acelerar o cozimento ou manter o conteúdo aquecido por mais tempo. Ou ainda, para evitar que caia pó ou o acesso das moscas ou impedir que caiam respingos de óleo ou molho no fogão. Ninguém escolhe primeiro a tampa e depois a panela, e sim, a panela e depois a tampa. Quando o arroz fica pronto e se destampa a panela, a tampa já era. Definitivamente, a tampa da panela não tem uma importância destacada. - Se for comparar com a cultura que a gente tem de que o homem é o provedor financeiro e a mulher é a auxiliadora doméstica, então a panela é o cara e a tampa é a mulher. Caramba! Meio machista isso, né? Mas, viajando na maionese, dá pra imaginar porque é tão difícil achar um homem que seja de uma mulher só: quando uma panela tem tampa, ela é projetada e fabricada junto. Já vem com o par. Só que para tampar uma panela, não precisa necessariamente ser aquele par. Cabe outras tampas do mesmo tamanho, e até outras maiores. Qualquer outra tampa também pode servir. Inclusive a tampa de outro conjunto. Só não dá pra usar uma tampa menor, né? ... E a conversa seguiu. Eu e minha irmã demos muita risada ao recordar os namorados “metade da laranja” - pessoas incompletas que jogam a responsabilidade da felicidade nos outros; os namorados “panela” – pessoas que puxam toda a responsabilidade pra si mas que precisam de alguém para ajudar; e os “tampa de panela” – que sempre estão disponíveis para dar aquela “força”, mas não conseguem assumir algo mais grandioso, tipo caras babões que só servem para carregar as malas e fazer pequenos favores, nada mais, não realizam coisas. Como hoje estou numa outra fase (casada com meu parceiro “inteiro” que me permite ser humana e simplesmente “EU”), me atrevo a dar alguns palpites, com base no meu passado e nessa reflexão que tive com minha irmã: Metade da laranja Cara, pense bem antes de dizer a uma garota que ela é a metade da laranja que você estava procurando. Será que é isso o que ela quer ser? Uma pessoa partida ao meio e cujo bagaço será jogado fora depois que o suco for retirado dela? Ser metade da laranja é ser incompleto para sempre, pois as laranjas jamais voltam a se unir às suas metades arrancadas. Só prossiga nesse papo se seu lance for honestidade e você estiver realmente à procura de alguém para “tirar um caldo” e sair fora. Tampa da panela Quando os caras falam em tampa da panela, se a ideia é achar que estão sendo caseiros, aquele cara bem família. Tudo bem. Pode até ser, já que a relação de significado é coerente. Mas é importante lembrar que uma pessoa tampa de panela é um tipo de auxiliar para qualquer coisa que não merece destaque. É a pessoa que nunca será destaque para nada. É alguém que jamais recebe uma grande responsabilidade. Algumas mulheres se encaixam nesse perfil como uma tampa na panela, literalmente. Outras querem mais, muito mais do que isso. Pra ser feliz com alguém, primeiro a gente tem que ser inteiramente feliz com a gente mesmo. Aí vai poder compartilhar essa felicidade. Até porque ninguém pode dar a alguém aquilo que não tem. E, como dizem os poetas, a felicidade é uma estrada e não um destino, é possível sim ser feliz sozinho. Mas é muito melhor ter alguém com quem compartilhar a alegria de viver e de ser quem se é – inteiro, com alguém que também é inteiro. Assim, só haverão somas, e não subtrações de felicidade.
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