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Opinião
13/08/2010 - 07h02
Adolescência, família, tanquinho e barbies
Marlene Waideman
 

É cada vez mais evidente que a sociedade tem empurrado a adolescência para frente e, ao mesmo tempo, para trás. A criança já foi considerada um mini adulto e a adolescência só existia como sinônimo de puberdade. Entretanto, o termo adolescência se propagou e estende-se cada vez, para trás e para a frente, na medida em que nos aproximamos do contemporâneo  Designamos alguém como adolescente quando surgem os primeiros sinais da puberdade e perdemos de vista qual é o momento da passagem para a condição de adulto.

A mudança do status de adolescente para o mundo adulto já foi bem demarcada em décadas atrás, e considerada um avanço e um importante passo desejado por ele; uma conquista, um objetivo a ser alcançado pelo jovem, e o foi de maneira muito marcante. E essa mudança de status estava estreitamente relacionada à sua inserção no mercado de trabalho, que, por consequência lhe trazia autonomia financeira, condição para usufruir das vantagens do universo do adulto. O mundo do trabalho, que ficou mais restritivo, se considerarmos os moldes do antigo padrão, tem ajudado a distanciar a sua entrada no mundo adulto. Entretanto, penso que isso por si só não explica toda a complexidade da crise que frequentemente se instala na família, envolvendo as relações com o adolescente.

A cultura do imediatismo, o modelo da sociedade de consumo, a chamada modernidade líquida e essa sociedade do espetáculo foram e são substancialmente cultuadas pelos meios de comunicação, e interferem pesadamente na sociedade brasileira e, por consequência, na família brasileira, e mais especificamente na urbana.

No rol dessas mudanças sociais, veio embutida uma significativa transformação de paradigma: grande valorização social e até mercadológica, um verdadeiro boom, das características da adolescência e que, aos poucos e continuamente, se transformaram em cultuados privilégios. Não é à toa que na sociedade contemporânea a mãe quer estar o mais semelhante possível com a filha adolescente, seja em termos de aparência, que vai do corpinho – e vale tudo para atender ao modelo imposto, às roupas, cabelos, adereços e que tais, até às atitudes. E não é por acaso que o pai quer ser “amiguinho” das amigas da filha ou do filho, e muitos também lutam suadamente para ter um ’tanquinho’ e ser o pai bonitão na referência das amigas da filha. Evidentemente, há que se considerar que os filhos fazem suas leituras e interpretações dessas comunicações, tanto verbais como as não verbais, e também dos poderosos silêncios de seus pais. É claro que aí estão presentes as identificações que fazem com aquilo que compreendem acerca dos desejos, fantasias e conflitos sexuais dos pais, bem como do papel que eles – os adolescentes - secretamente são solicitados a representar neste contexto.

O que tudo isso pode produzir em termos sociais, então? O que isso tudo interfere significativamente nas relações familiares? Uma das possibilidades é que este imbróglio todo acentue as dificuldades de nosso adolescente para adentrar no mundo dos adultos, já que a adolescência tem sido cultuada como a fase ideal e invejada. Se quem já saiu quer voltar a ela, ou se ressente significativamente da perda da condição de adolescente, por que eles (os chamados eternos adolescentes) haveriam de querer sair? Além disso, na casa dos pais, hoje é franqueado aos filhos – cada vez mais precocemente e, ao mesmo tempo, mais tardiamente – praticamente todas aquelas mesmas condições que eles teriam que conquistar e que só podiam ser exercidas no status de adultos. Convenhamos, não haveria uma gostosa e atraente comodidade viver numa condição onde alguém faz o eterno papel do Estado Socialista provendo casa, comida, vestimenta, saúde e, em muitos casos, bancando das biritas às noitadas?

Em contraposição, é comum os pais apresentarem, paralelamente a tudo isso, a expectativa de uma postura de submissão ou obediência dos filhos em relação a eles e isso, fatalmente, desemboca em conflitos que têm se manifestado de maneira bem acentuada nas relações familiares. Ou seja, temos nesse novo adolescente um sujeito da contemporaneidade estabelecendo relações entre a emergência do liberalismo econômico e a construção de um sujeito livre e flexível, ao mesmo tempo em que introduz neste espaço de prática familiar (e também a social) a demanda crescente por relações igualitárias, cujos efeitos têm sido descritos sob o nome de crise da adolescência, mas que em sua origem representam crise da ou na família.

Necessário se faz esclarecer que, com raríssimas exceções, os pais querem acertar, querem o bem do filho e fazem o melhor que podem ou conseguem fazer, e daí é possível concluir que, se não fazem melhor é porque não podem ou não conseguem. Ressalte-se que esses pais também são sujeitos oriundos de outras psicodinâmicas de relações familiares – que também foram herdadas – e atuam com recursos e elementos resultantes de sua história, e mais: também são suscetíveis e estão constantemente vulneráveis aos ditames da sociedade de consumo. Entretanto, isso tudo pode explicar, mas não justifica o laisser fair acompanhado de pura choramingação. É a eles, aos pais, como educadores por excelência, que cabe a reflexão e a busca da compreensão dos processos pelos quais interferem ou contribuem para dificultar o crescimento de seus filhos, aqueles chamados de eternos adolescentes.


Nota do Editor: Marlene Waideman, residente em Ubatuba, é psicóloga, com formação clínica, Profa. e Dra. com experiência acadêmica e pesquisadora com enfoque na família.

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