Acorda, o despertador tocou. Tens que trabalhar. Se chegares atrasado, o patrão não te perdoará. Levanta, escova os dentes, troca de roupa depressa, não podes te atrasar. Não acordes tua mulher, deixe-a descansar um pouco mais. As crianças ainda dormem. O trabalho te espera. Corre logo, não podes perder o trem. Esquecestes a marmita? Pior para ti, ficarás sem almoço. Salta do trem, rápido atravessa a rua, ninguém tem paciência. Continua tua viagem, pega o ônibus. O ônibus está lotado, não cabe mais ninguém. Quem se importa? O trânsito está parado, a hora passa, que desculpa vais dar no trabalho? Congestionamento... quem vai acreditar em ti? És realmente um grande preguiçoso. Mais uma vez atrasado. O patrão te olha com desprezo. Mais dia, menos dia, vais perder o emprego, a indenização será insuficiente para pagar teus credores. O trabalho acumulado. Não tens dado conta do serviço... Também pudera, só trabalhas 16 horas por dia. Essa mania de ir para casa todo dia... Esse luxo de folgas aos domingos. E ainda queres um aumento? Ora, ora, quanta pretensão! Além de tudo, és um arrogante. Vê se te manca, agradece pelo salário mínimo que recebes. O dinheiro não é suficiente, porque és um perdulário. Não sabes economizar. Por que não fazes como os deputados, senadores e governantes deste País? A maioria sabe poupar e pouco a pouco, com muito esforço, amealham fortunas. Sem sacrifício, meu caro, como queres prosperar? No fundo, no fundo, és um ingrato. Não enxergas que tudo melhorou? Não percebes que teu padrão de vida hoje é outro? Tu não vês porque não queres ver. Trata de respeitar o governo, trata de bajular o patrão. É melhor para ti. Aproveita a parte generosa que te cabe neste latifúndio: acatar as ordens, respeitar as leis, abaixar a cabeça, pedir desculpas, implorar pelo pão de cada dia, enfiar o rabo entre as pernas. E ainda não estás satisfeito! Quanta petulância... O que queres mais? Não tens um emprego? Mais um dia de trabalho. Os mesmos desaforos, as mesmas humilhações. Mas, afinal o que querias? Não vês que o patrão está nervoso? Não sabes ainda que a recessão atingiu os negócios da empresa. Não te compadeces com o infortúnio alheio? Este ano o patrão, a mulher e os filhos só poderão viajar para o exterior apenas duas vezes. Devias mesmo ter pena do pobre homem. Ainda ontem teve que subornar o fiscal que ameaçava multar a empresa por sonegação fiscal. Mais dinheiro da empresa jogado fora. Na verdade, se tivesses um mínimo de inteligência, perceberias que tu não tens problemas, és um privilegiado. Recebes teu salário mínimo todo mês. Até mesmo algumas das horas extras que trabalhas te são pagas. Nem todas, porque é preciso contribuir para que a empresa não quebre. E quem é que corre com o risco do negócio? Quem é o responsável pelo teu emprego? O patrão. Ele melhor do que ninguém sabe o quanto deves ganhar. E tu não és capaz de reconhecer as boas intenções do homem... Achas que tens dificuldades? Que está difícil sustentar a família? O que dizer então do patrão, obrigado o custear o luxo de duas ex-mulheres, mais a atual? Isso sem falar na amante, porque afinal de contas o desgraçado também precisa se sentir amado, nem que seja pagando. O pior é que tua estupidez será transmitida para os teus filhos. É o teu sangue que não presta. Teus filhos continuarão ignorantes, pobres, imundos. Ao passo que os filhos do patrão, apesar das drogas, acabarão se dando bem. Sabes por que? Porque, ao contrário de ti, teu patrão sabe cultivar boas amizades, é homem bem relacionado, com contatos até no Planalto. És um patife. A inveja corrói tuas entranhas. Cobiças o que não é teu. Não dás valor ao que tens. E, por sinal, já tens muito pelo pouco que mereces. Segue em frente desgraçado. Atrás de ti há um fila enorme querendo o teu lugar. E não te esqueças de acender uma vela, de rezar pelo bem estar do teu patrão. Ele é o teu dono, senhor do teu destino. Até quando? Até o dia que ele assim quiser, porque há de chegar o dia em que ele não poderá mais te suportar. E quem sabe nesse dia tu lamentarás a perda dessa vida tão feliz.
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