Dentre todos os medos que eu tinha, quando criança, o mais estranho e irracional era o medo da divisória da calçada. Como podiam, simples riscas no chão, impor tanto temor na vida de uma pessoa? Não importava o motivo pelo qual eu tivesse esse medo, não me arriscava a pisar nelas. O que poderia acontecer caso encostasse meus pés sobre a divisória? Talvez um enorme abalo sísmico, que abriria uma fissura no chão capaz de engolir todos à minha volta. Provavelmente, cairiam meteoros do céu, que atingiriam, inevitavelmente, todas as pessoas que eu conhecesse. Pelo simples toque dos meus pés na risca, meus pais poderiam sofrer, os dois, um fulminante infarto. E eu seria o responsável pelo desastre. Então, não ousaria pisar ali. Quando, um dia, pisei sem querer na risca, me apavorei, num primeiro momento. Passado o "choque", olhei ao redor e percebi: nenhum terremoto aconteceu, nenhum novo dilúvio destruiu a raça humana, nenhum carro passou por cima de ninguém, não houve fuga de presos, meus pais não morreram e eu não fiquei cego. Que bom! Mas é melhor eu tomar mais cuidado; não quero abusar da minha sorte.
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