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Opinião
01/09/2010 - 17h17
Gratidão tardia
Dartagnan da Silva Zanela
 

Faz alguns dias, estava lendo um ensaio do economista estadunidense Thomas Sowell intitulado A BUSCA PELA JUSTIÇA CÓSMICA. Entre os pontos tratados pelo referido autor, um chamou-me a atenção e nos levou a mover os dedos frente ao pergaminho digital. Este ensaio trata da questão da educação.

Conta-nos Sowell que ele passou a sua infância no Harlem. Ou seja: uma infância nada fácil e com poucas oportunidades para um jovem negro. Sobre os professores que teve nesses idos ele nos diz: “Graças a Deus meus professores foram injustos comigo quando eu era um garoto crescendo no Harlem”. Hoje Sowell é um dos intelectuais mais respeitados nos USA. Com essa afirmação ele nos diz o óbvio ululante. Que não se realiza a justiça dita social passando a mão na cabeça das pessoas, mas sim, munindo-as com as ferramentas intelectuais para que ela possa agir com autonomia e dignidade.

Ele nos diz que um desses professores “injusto”, especialmente aos olhos dos pedagogos modernos, era a senhora Simon. Segundo ele: “Cada palavra que soletrávamos ou escrevíamos errado, tinha de ser escrita cinquenta vezes – não em classe, mas em nossas lições de casa a serem apresentadas na manhã seguinte, e isso além de toda a outra carga de tarefas que ela e os outros professores jogavam sobre nós. Se você errasse a ortografia de quatro ou cinco palavras, uma longa noite de trabalho o aguardava”.

Quanta crueldade, dirão esses biltres politicamente-corretos. Mas, por quê? Segundo o nosso amigo supracitado, ele não tinha em casa acesso a outras fontes de informação mais ricas do que a que lhe era fornecida pela escola. Graças à rigidez de seus mestres como a Sra. Simon ele se tornou apto a se embrenhar na sociedade e realizar-se como pessoa. Não apenas ele, mas boa parte de seus colegas que encararam o desafio de superar as suas limitações.

Superar a si mesmo é um dos pontos fundamentais de uma boa educação. Superação dá-se quando temos a apresentação de obstáculos a serem enfrentados para que possamos provar para nós mesmos o quanto somos capazes de mudar o nosso destino quando esse parece irreversível. Neste caso, quando a professora estava sendo “injusta” estava dando uma oportunidade para os alunos serem justos para consigo mesmo. Quando um professor estava lhes apresentando um pesado fardo para carregarem, estava lhes fortalecendo o caráter. Esses mestres estavam, literalmente, dando uma legítima surra intelectual e moral em seus alunos inocentes. Entretanto, não é apanhando que se aprende a bater? Era isso que os ditos professores “injustos” estavam ensinando aos seus alunos.

Todos nós tivemos em nossa infância e mocidade um e outro professor deste gabarito apontado pelo professor estadunidense. E, provavelmente, foi graças a esse tipo de magistério que muitas das boas marcas que dão forma ao nosso caráter advieram das surras morais e intelectuais que nos foram aplicadas por eles. Eu mesmo lembro-me até os dias de hoje da Irmã Odila. Ela não era a senhora Simon. Era mais branda em alguns quesitos e a superava-a em muitos outros, sem dúvida alguma.

Obviamente que quando eu tinha os meus doze anos de idade não morria de amores por ela. Porém, o parco conhecimento que tenho da língua mátria devo a ela. Esta além de nos cobrar pontualmente as lições ministradas em sala de aula, remetia uma infinidade de tarefas para serem realizadas em casa juntamente com a leitura obrigatória das obras de literatura que integravam o programa da disciplina.

Naturalmente que a direção acabou por fazer o que não se deve: deram ouvidos aos queixumes de um bando de alunos temerosos tomados pela desídia intelectual. No ano seguinte não tivemos mais aula com a referida madre, porém, até hoje, lembro-me dela com grande clareza. Não apenas dela, mas de suas lições.

Se Deus permitisse-me, gostaria muito de poder me encontrar com ela e dizer apenas duas coisas. A primeira: pedir perdão pelas insolências motivadas pela minha desídia. Segundo: agradecer-lhe por tudo que ela fez por mim e pelos meus colegas. Com certeza tanto eu como os meus pares somos grandes devedores. Provavelmente ela sabe disso. Pena que nós aprendemos isso apenas tardiamente.


Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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