Assistindo à ginástica verbal dos presidenciáveis tentando justificar certas alianças inexplicáveis, lembrei-me de Mário Benedetti, um dos maiores escritores e poetas do Uruguai. Em sua novela A Trégua, lançada em 1960, encontrei um trecho que me chamou a atenção: “Ele me perguntou se eu achava que tudo estava melhor ou pior do que cinco anos atrás, quando ele foi embora. ’Pior’, responderam minhas células por unanimidade. Mas depois tive que explicar. Ufa, que tarefa. Porque, na verdade, a corrupção sempre existiu, o acordo também, as negociatas, idem. O que está pior, então? Depois de muito espremer o cérebro, cheguei à conclusão de que o que está pior é a resignação. Os rebeldes passaram a semi-rebeldes, os semi-rebeldes a resignados. (...) ’Não se pode fazer nada’, as pessoas dizem. Antes só quem queria conseguir algo ilícito é que subornava. Agora quem quer conseguir algo lícito também suborna. E isso significa relaxo total.” Benedetti dizia que “o que está pior é a resignação” em 1960, quando havia uma clara divisão entre esquerda e direita, a guerra fria assombrava a todos, Fidel acabara de derrubar Fulgêncio Batista em Cuba e a juventude estava tomada pelo ideal romântico da revolução que viraria o mundo de cabeça para baixo nos vinte anos seguintes! Tudo que não havia era resignação, pô! Se Benedetti achava que as pessoas estavam resignadas naquela época, o que acharia hoje, quando o mundo virou um balcão de troca? Quando vale tudo para obter ou manter o poder? Quando quem se rebela é atacado pelas patrulhas do politicamente correto? Quando “é feio” dizer na cara de um mentiroso que ele está mentindo? Quando quem reclama e grita é considerado mal educado? Repito: se Benedetti achava que estávamos resignados em 1960, acharia o que hoje? Que estamos resignadíssimos? Resignadassos? Resignados ao cubo? Resignadalhos? Hiper-Mega-Resignados? Resignadásticos? Pois eu acho que o adjetivo é “frouxos” mesmo. Mas o texto de Benedetti continua. E é aí que o bicho pega: “Mas a resignação não é toda a verdade. No princípio foi a resignação; depois, o abandono do escrúpulo; mais tarde a co-participação. Foi um ex-resignado quem pronunciou a famosa frase: ’Se os de cima levam o deles, eu também levo o meu’. Naturalmente, o ex-resignado tem uma desculpa para sua desonestidade: é a única forma de os outros não tirarem vantagem dele. Ele diz que se viu obrigado a entrar no jogo, porque caso contrário seu dinheiro valeria cada vez menos e seriam cada vez mais numerosos os caminhos corretos que se fechariam para ele. Continua mantendo um ódio vingativo e latente contra aqueles pioneiros que o obrigaram a seguir esse caminho. Talvez seja, no final das contas, o mais hipócrita, já que não faz nada para se safar. Talvez seja também o mais ladrão, porque sabe perfeitamente que ninguém morre de honestidade...” Alguma familiaridade com o que você anda assistindo? Pois é... Mas como é que se explica essa situação? Fácil. É só recorrer a outro escritor famoso, o romancista britânico William Somerset Maugham que um dia escreveu a incômoda verdade: “A coisa mais útil sobre um princípio é que ele pode ser sacrificado pela conveniência.” E desce o pano. Nota do Editor: Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista. Faça parte do Movimento pela Despocotização do Brasil, acesse www.lucianopires.com.br.
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