Numa cidade situada atrás da Serra do Mar, em um enorme vale, morava um menino pobre, que vivia as fantasias do Superhomem. Todos os dias ele vestia roupas exóticas e dizia para o pai e a mãe que iria voar sobre a cidade e fazer um monte de coisas. Seu pai vivia chamando sua atenção e pedindo para o menino parar com aquelas bobagens, porque Superhomem que voa era uma fantasia criada pelos cartunistas. Na realidade o homem só pode voar nas máquinas engenhadas para isso, como o avião e outras, sempre explicava o pai. Mas o menino não desistia de curtir a fantasia de Superhomem. Um dia o pai virou-se para o menino e disse: - Já que você gosta de fantasias, vou levar você num lugar fantástico. Lá tem mar, praia, matas virgens, e você vai poder soltar sua imaginação. E assim fez. Desceu a Serra e chegou numa linda cidade do litoral. O menino deslumbrou-se. Encantou-se. Ficou maravilhado. Corria pela praia, caía na água, mas de vez em quando parava e ficava olhando o horizonte, a imensidão do mar, a enorme cordilheira da serra, que de longe parecia uma enorme couve-flor, ora esverdeada ora azulada, e a fantasia foi, aos poucos, tomando conta de seu espírito. Virou-se para o pai e perguntou: - Será que eu não posso voar aqui? - Claro que não, respondeu o pai, meio irado. Será que nem aqui você vai deixar essa fantasia boba? - Não, não é bobagem, disse o menino. O menino prosseguiu na sua imaginação. Disse que queria voar por sobre aquele mar e aquelas matas. E mais ainda, queria pintar toda aquela natureza de outra cor mais forte. Usaria o laranja, o lilás e um verde e azul mais fortes. - Você não poderia fazer isso, retrucou o pai. - Por que? Asseverou o menino, meio injuriado. - Porque nem você, nem nenhum de nós, tem esse poder. - Poder? O que é poder? - É o que podemos fazer nos limites da nossa força física, da nossa capacidade intelectual ou da lei, respondeu o pai. - Mas o Superhomem voa e ele pode fazer todas essas coisas, e eu vou ser igual a ele, afirmou o menino. O pai lamentou, mas não viu outra alternativa a não ser subir a serra e retornar para casa. O menino cresceu. Seu pai morreu. Só com a mãe e quatro irmãos, suas fantasias permaneciam vivas em seu espírito. Virou excelente piloto de asa delta. Assim, podia curtir, pelo menos em parte, sua fantasia de vôo livre. Em sua memória, o visual da cidade litorânea que conheceu com seu pai era latente. Desceu a serra e veio viver suas fantasias na cidadezinha à beira-mar. Seu sonho de Poder, o transformou em político. Sua ambição e suas manias, voltavam-se para a fantasia de poder mudar as cores naturais da cidade e os costumes de seu povo. Embora tendo conseguido um posto político de mandatário da cidade, não conseguia fazer mudanças no cenário da natureza, no perfil arquitetônico da cidade e principalmente no comportamento típico de sua gente. Isso o indignava. Foi aí que apareceu o mágico. Um deputado que prometeu que tinha possibilidade de transformá-lo em um verdadeiro Superhomem da Política. O deputado disse que conhecia um laboratório de uma cidade do interior, que já tinha feito mágicas e milagres para transformar políticos em superhomens. O menino-homem, que sonhava demais, embarcou. Mas em plena transformação, aconteceu a maldição de Frankenstein. Suas orelhas começaram a crescer, foi nascendo e espichando nele um rabo enorme, seus braços se transformaram em pernas curtas, os fios de seu bigode rarearam e começaram a esticar e ele começou a rastejar. Pior de tudo, ficou viciado em queijos. Olhando no espelho da vida, levou um susto. - Me transformaram num rato! Eu sou um rato! Sou um superrato, exclamou. Experimentou, pela primeira vez, o sentimento de vergonha. E sua reação não poderia ser outra. Lembrou de sua casa e de sua mãe, a tanto tempo esquecidas. Mas como chegar em casa e se apresentar para a mãe. Ela não iria reconhecê-lo e com certeza iria matá-lo com a vassoura, pensou. Seu medo era porque não apreendera até onde vai o amor de mãe, sua capacidade de reconhecer e perdoar um filho, em qualquer circunstancia. É o amor que vem do espírito sobrenatural, que a faz reconhecer qualquer filho, mesmo que ele se transforme no mais feio dos ratos. Ele não tinha outra alternativa para sobreviver. Mesmo com a característica timidez dos ratos, foi para a casa de sua mãe... Entrou pela porta dos fundos e, passo a passo, chegou até a sala, onde estava sua progenitora. Ela olhou bem nos seus olhos, passou a mão no rosto molhado de lágrimas, e soltou uma exclamação, com a voz embargada: - Meu filho! Quem fez isso com você? - Foi um deputado que disse que era mágico da política, respondeu. Disse que iria me transformar num superhomem e me transformou num superrato. - Você não procurou saber antes sobre esse Laboratório Político Brasileiro? - Não, nem sabia que existia, respondeu o rato. Para consolar o bichinho, ela o pegou e o pôs no colo, e passou a conversar, disfarçando seu espanto. Disse a ele que também já tinha sido uma ratinha, dos l3 aos l8 anos, que vivia catando pedaços de queijo e outras comidas, nas latas de lixo. Mas teve sorte de ter encontrado o marido, um grande cientista social, de quem o infeliz animalzinho deveria ter ouvido os conselhos. Disse que quando ele a encontrou, a chamou de ratinha, mas que iria dar um nome de honra pra ela, pra que todo mundo a respeitasse, e que iria transformá-la em uma mulher. Ele não falou em rainha ou supermulher. Pronunciou apenas a palavra mulher. - Seu pai fez comigo o contrário, de ratinha virei uma mulher. - Quando vocês cresceram e ele já havia passado, também apareceu um deputado federal, com essa conversa que iria me transformar numa supermulher. Mas eu já conhecia papo de político e saí fora dessa mágica. - Costurava à noite e vendia cosméticos de dia para sustentar vocês e pagar suas Faculdades. Essa era a teoria do meu cientista. Basta ser mulher, não precisa ser supermulher pra viver com dignidade e honestidade, conquistar as coisas de seus sonhos e ser respeitada no meio social. - Você, ainda, meu filho, quando cansar da vida nos porões sujos, imundos, malcheirosos, escuros, sufocados, vai sentir vontade de ser um homem. E não precisa ser um superhomem: basta ser um Homem. - Um homem se destaca por sua personalidade, sua honestidade, seu caráter, sua sensibilidade, sua capacidade, sua probidade, sua honra e seu trabalho. No caráter do homem o importante é a moral, antes do poder ou do capital. - O maior poder de um homem se assenta na moral, na fé e na vivência do Amor Sobrenatural, emanado do Mundo Espiritual; não é imaginar que pode voar em mantas azuis ou vermelhas ou pensar que pode enriquecer sem trabalho honesto; é também a sabedoria de viver, saber realizar, voar nos sonhos, sem tirar os pés do chão e só usar as mãos para trabalhar, plantar e fazer o bem. Para isso, basta ser homem.
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