Todos os dias, jornais e revistas estampam em suas capas, notícias sobre adultos que abusam sexualmente de menores. Meses atrás o jornal “O Globo” noticiou que um homem de 53 anos, foi acusado de ter abusado sexualmente de duas crianças, netos de sua atual esposa. Notícia como essa causa perplexidade e revolta a sociedade, no entanto, apesar da barbaridade do ato, poucos sabem o motivo da perversão ou até mesmo o conceito de “pedofilia”. Diante dessa ignorância populacional, importante esclarecer alguns pontos, para que possamos refletir e concluir se realmente se deve punir o pedófilo com os rigores que a lei impõe. Também chamada de paedophilia erótica ou pedosexualidade alguns estudiosos explicam que essa atitude se conceitua como uma perversão sexual, na qual indivíduo adulto ou adolescente sente atração sexual por crianças pré-púberes (ou seja, crianças na idade que ainda não entraram na puberdade) ou por crianças em puberdade precoce. A medicina classifica a pedofilia como uma doença, um distúrbio psicológico e um desvio sexual (ou parafilia) "caracterizado pela atração por crianças, com os quais os portadores dão vazão ao erotismo pela prática de obscenidades ou de atos libidinosos" (Manual de Medicina Legal - Delton Croce). Já a Organização Mundial de Saúde define como uma "Preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes". Apesar da indignação causada, a pedofilia foi tolerada e ignorada em muitos países durante anos, porém, após sucessivas aprovações de tratados internacionais versando sobre a matéria essa visão foi paulatinamente se modificando, culminando com a aprovação, da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança pela ONU em 1989 que, em seu Artigo 19, expressamente obrigou que os Estados Partes, imediatamente, deveriam adotar todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela. Todavia, importante esclarecer que nem todo ato sexual entre adultos e adolescentes pode ser considerado pedofilia, em algumas hipóteses excepcionais alguns como a idade do adolescente, a legislação local sobre a idade de consentimento (nos países que adotam este conceito), atuam como dirimente penal para casos como o estupro. A lei brasileira, por exemplo, não possui o tipo penal "pedofilia", mas enquadra o ato como sendo “estupro vulnerável”, previsto pelo Artigo 217-A do Código Penal, descrevendo o delito da seguinte forma: Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos com pena de oito a quinze anos de reclusão. - Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. Outra forma rechaçada pela lei brasileira é a “pornografia infantil”, também considerada crime passível de pena de prisão de 2 (dois) a 6 (seis) anos - Artigo 241, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90). Entretanto, um pensamento muito me angustia. Apesar da revolta que nos causa esse delito, não podemos ignorar que para profissionais da saúde mental (psicólogos e médicos), a “pedofilia” é um grave distúrbio e, portanto, algo que leva o indivíduo a atitudes fora dos padrões de normalidades, podendo, inclusive, chegar a estados de semi ou inimputabilidade. Se nos basearmos nessas assertivas, os casos de desvio comportamental em caráter doentio, a pedofilia, se amolda a excludente de culpabilidade insculpida no Artigo 26 do Código Penal, pois que o delinquente, no momento de sua ação reprovável, encontrava-se inteiramente incapaz de compreender o caráter ilícito do fato. Diante disso, necessitamos compreender com maior exatidão a expressão “crime de pedofilia” que nos parece imprópria e controversa, afinal, o “pedófilo” é um transtornado mental e o reconhecimento de tal transtorno está previsto, inclusive no Cadastro Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde, na sessão F60-F69 que trata dos “Transtornos da personalidade e do comportamento do adulto” - sessão F65.4. Deste modo, não podemos imputar culpa a um transtornado mental, pois afrontaríamos o Artigo 26 do Código Penal que estabelece isenção de pena ao agente que por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, era, ao tempo da ação, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Nesse sentido, nos esclarece o Prof. Spencer Toth Sydow que: “Há que se dizer que certamente não foi à lei modificada para buscar punir o inimputável, mas sim o ‘imputável’ assolado por uma perversão ‘consciente’ e que compreende o caráter ilícito da conduta, podendo agir de outro modo”. Apesar das cortes brasileiras entenderem pela segregação do pedófilo em manicômios judiciários, verifica-se que a melhor solução (após análise científica do caso), seria a internação desses pseudo-infratores em clínicas de recuperação, afinal, apesar do caráter repugnante do delito, não se pode esquecer que essas “pessoas” são portadoras de transtorno mental, e diante disso merecem um tratamento digno e humano. Nota do Editor: Bruno de Almeida Rocha, advogado do escritório Fernando Quércia Advogados Associados.
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