É revoltante ver uma menina de 12 anos morrer num hospital da maior cidade do país, porque lhe aplicaram vaselina líquida em lugar de soro. Esse erro bate todos os recordes, superando em muito os esquecimentos de pinças, bisturis e chumaços de algodão no interior do corpo de pacientes, a contaminação em transfusões e outras ocorrências graves que demonstram a decadência do sistema. Coincide com o desfecho do caso da mulher de Araras (SP), infectada com o vírus da Aids há 24 anos, que acaba de virar dona do prédio do hospital que a infectou, arrematando-o em leilão como pagamento da indenização a que tem direito. Toda atividade é sujeita a erros. Em muitos casos, os desacertos passam despercebidos. Mas isso não ocorre quando se trata de saúde. Em falhas graves os pacientes morrem ou restam com seqüelas que os perseguem pelo resto da vida, como as mulheres que fizeram laqueadura num hospital universitário público do interior paulista, receberam doses excessivas de anestésico, e restaram acometidas por incontinência urinária e frigidez sexual. São vidas humanas desperdiçadas ou truncadas por absoluta incompetência do sistema e de seus operadores. O sistema de saúde brasileiro é baseado em procedimentos modernos e regido por uma extensa legislação que estabelece direitos, deveres e responsabilidades. Mas, infelizmente, a prática é péssima. O povo não pode contar com serviços públicos de qualidade, embora os governos, demagogicamente, os anunciem e, o pior, até invistam altas somas para sua execução. Exceto algumas ilhas de excelência ligadas às universidades e a esquemas particulares de alto poder aquisitivo, os hospitais nacionais vivem em crise permanente. Não dispõem de recursos para investimento, manutenção e nem o pagamento de profissionais de comprovada competência e formação. Em muitos deles, os executores do setor de enfermagem são antigos serventes e faxineiros improvisados e acabam por cometer os maiores desatinos, sem qualquer punição. Fazem o mal e ainda continuam trabalhando e, possivelmente, fazendo novas vítimas. Também fica impune quem os contrata. O caso da garota da vaselina, ainda em apuração pela polícia, pode ser mais um desses tristes e revoltantes episódios. Se a vítima não tivesse procurado o hospital, apesar da diarréia que a acometia, ainda estaria viva... Espera-se que os governos em vias de assumir – na União e nos Estados – dispensem atenção especial para o setor da saúde. Encontrem uma forma de fazer os serviços públicos ou conveniados atenderem efetivamente o paciente que não dispõe de recursos para pagar seu tratamento. E que, não se esqueçam, também, de fiscalizar o cumprimento de normas e procedimentos nos hospitais, ambulatórios e pronto-socorros. O povo não pode continuar morrendo de forma tão simplória, estúpida e desumana. Todos os responsáveis pela administração incorreta de medicamentos e procedimentos têm de receber punição exemplar, pois estão lidando com vidas humanas, não com simples sacos de nabos ou batatas. Diante das criminosas negligências ocorridas dentro dos hospitais em todos os quadrantes do país, sem qualquer dúvida, aumenta no povo o medo de ser internado e não conseguir sair vivo... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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