Nascido menino pobre no Desemboque, nas Minas Gerais, Ariclenes sonhava com a cidade grande. E mais: com o rádio e as suas cantoras, ícones daquele Brasil do século 20. Ocorre que Ari vivia num lugarejo distante de tudo e de todos. E tampouco passava pela cabeça do moleque como, enfim, chegar até lá. Enquanto a sorte grande não surgia, ele ajudava o pai na lida com o gado. E aproveitava para vender fotos da mãe, que era atriz de circo e muito bonita. Um dia, o menino subiu num caminhão no rumo de São Paulo e pegou a estrada. Atrás de seu lugar ao sol. Apeou no meio do caminho. E resolveu ficar uns tempos por ali. Em Ribeirão Preto, sua nova cidade, os novos ricos começavam a tomar o lugar dos poderosos barões do café. Ele contava, então, com não mais de 16 anos. Era um frangote. Foi viver em pensão e conseguiu emprego de carregador numa loja de materiais de construção. Afinal, o progresso já batia à porta. E, com ele, toma carga pesada na cacunda do rapaz. Por isso, foi uma bênção aquele santo dia em que os livros entraram, meio que sem querer, na sua vida. No fundo, Ari só queria mesmo era fugir um pouco do sol escaldante, que parecia fazer a mercadoria sobre suas costas pesar toneladas. O jovem entregador simplesmente empacou diante do belo casarão. Sem cerimônias, botou o vaso sanitário no chão e entrou. Antes, porém, deu uma espiada dos lados. Só para conferir se alguém estava vendo sua escapada providencial. Aquela seria talvez a mais sábia decisão de toda sua vida. Lá dentro, o moço levou um baita susto: o velho Solar dos Junqueira, de frente pro Pedro II, o majestoso teatro de ópera do país dos coronéis, já não era mais o mesmo. O que, agora, funcionava ali era uma... biblioteca. Isso mesmo: uma biblioteca! Já que estava, resolveu ficar, fazer o quê?! No meio de toda aquela gente estranha – talvez uns fossem poetas ou, então, alunos do glorioso Ginásio do Estado – ele teria, ao menos, que disfarçar um pouco. E foi o que fez: começou a folhear um livro. Afinal, nada ali seria pior do que o trabalho duro que o aguardava lá fora... No livro, Ari leu em letras garrafais: Grandes Esperanças. O autor era um certo Charles Dieckens. Ele passou os olhos pela primeira página e até que gostou. Descobriu que não mordia. Leu mais algumas. Quando foi dar por si, já havia lido muitas delas. E já não conseguia mais parar. Daquele dia em diante, os livros nunca mais sairiam da sua vida. Uma companhia constante. Era, enfim, a chave que faltava. No primeiro teste que fez para locutor, já na cidade grande, Ari tropeçou no seu sotaque caipira. Mas não desanimou. Acabou arrumando um emprego de contínuo lá mesmo na Rádio Difusora, em São Paulo, e, sempre que podia, devorava mais e mais livros. Em pouco tempo, foi promovido a operador de som. E, quando sobrava um tempinho, tome mais livros! Um dia surgiu a chance de fazer ponta numa radionovela. Ele agarrou, claro. Meio século depois, e ainda um leitor voraz, o ator Lima Duarte (afinal, Ariclenes Venâncio, seu nome de batismo, como ele mesmo dizia, não era lá nome de artista que se prezasse...) diz que os livros foram sua tábua de salvação: - Eu não passava de um anarfa... Nota do Editor: Galeno Amorim (www.blogdogaleno.com.br) é jornalista, escritor. Criou o Plano Nacional do Livro e Leitura, no Governo Lula, e é considerado um dos maiores especialistas do tema Livro e Leitura na América Latina.
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