Antônio era um moleque como outro qualquer. Estudava na mesmíssima escola de toda a meninada da cidade e, como era normal na sua idade, não fazia a menor ideia do que seria quando crescesse. Esperto como era, talvez arrumasse emprego em escritório. Ou se tornasse operário na fábrica ou na usina de açúcar, como era muito comum entre a gente do lugar. Eram empregos dignos. E muito cobiçados pelos rapazes da pequena Matão, no interiorzão de São Paulo, de meio século atrás. Só que Antônio queria mais. Sonhava com algo diferente. Um dia, já no final do segundo ano de Grupo, aconteceu. No ano anterior, ele se engraçara com uma professorinha que era conhecida pela arte de cantar cada palavra e as frases que pretendia ensinar aos seus alunos. Com isso, ela encantava a garotada. O plano de Dona Albina era, simplesmente, infalível. Ela separava parte do salário de professora e comprava um livro pra cada um. No final do ano, entregava a surpresa no último dia de aula. Antônio, claro, já ganhara o seu. Desde então, ele passou a interessar-se pelos livros. Já não saía da biblioteca e passou a escrever compulsivamente. Primeiro, descobriu que adorava as narrativas. Aos poucos, foi se encantando, definitivamente, com a língua. Em pouco tempo já estava faturando uns trocos dando aulas de Português para os candidatos ao curso de Admissão, única forma então de se ingressar no antigo Ginásio. Mas a vida dele começou a mudar mesmo, e da água pro vinho, no dia em que aquele professor apareceu na sala de aula. Sua fama já era conhecida no colégio. Ele era um provocador nato. Logo no primeiro dia, o homem sacou o relógio do bolso e, num gesto quase teatral, lascou o desafio: - Vou esquecer o relógio... Quero que alguém venha aqui na frente e fale qualquer coisa. Declame um poema, conte uma história... Antônio sabia, no fundo, que sua hora havia chegado. Tomou coragem, respirou fundo e foi. Buscou lá na memória a velha história da galinha dos ovos de ouro que decorara tão bem no livro que ganhara de Dona Albina. Sem medo de ser feliz, foi lá e contou a historieta. Alguns segundos terrivelmente longos depois, vieram os aplausos. Havia sido um sucesso! Depois disso, o menino desembestou de vez. Jamais deixou de ler livros, escrever muito e falar. Antônio nem sequer imaginava, mas nascia ali, na magia daquele instante, um professor, um homem da Comunicação. Anos e anos depois, o agora professor de cursinho e apresentador de rádio e televisão Antônio Cassoni recorda-se daqueles momentos como se fosse hoje. Com emoção. E gratidão pelo papel que os livros e os mestres tiveram em sua vida. Nota do Editor: Galeno Amorim (www.blogdogaleno.com.br) é jornalista, escritor e presidente da Fundação Biblioteca Nacional. Criou o Plano Nacional do Livro e Leitura, no Governo Lula, e é considerado um dos maiores especialistas do tema Livro e Leitura na América Latina.
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