Na cerimônia de abertura dos trabalhos do Legislativo, o presidente do Senado José Sarney denunciou o uso desmedido das medidas provisórias (MPs), qualificando-as como “armadilha que perturba o funcionamento das instituições”. Esse grave e preocupante conceito foi proferido no Congresso, ao lado da presidente Dilma Rousseff, com a advertência de que a reforma das MPs constitui “uma das nossas tarefas mais urgentes”, cujo projeto já passou pelo Senado e aguarda a votação na Câmara. Na sequência de seu raciocínio, o senador do Amapá ressaltou: “Devemos reconhecer o que o que a Constituição fez de errado: incorporou ao Congresso funções executivas e ao Executivo funções do Legislativo”. Atualmente o Executivo é competente para editar MPs “em caso de relevância e urgência” (art. 62 da CF). Há expressa vedação constitucional à edição de medidas provisórias sobre matéria relativa à nacionalidade, cidadania, direitos políticos, direito eleitoral penal, processual penal e civil, organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, planos plurianuais, orçamento e créditos adicionais e suplementares, além dos temas reservados à lei complementar. O legislador constituinte, lembrando-se do que ocorreu no governo de Fernando Collor, proibiu, ainda, o uso de MPs nos casos de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro e nos casos de detenção ou sequestro de bens. O desvirtuamento das MPs tornou-se flagrante, desde 1988, permitindo que o Poder Executivo legislasse sobre assuntos diversos, sem atentar para os requisitos da urgência e relevância. Daí os mandos e desmandos cometidos, como se a Lei Maior não passasse de mera admoestação. Conforme pesquisas realizadas pela subsecretaria de informações do Senado Federal, já no governo FHC foram editadas e reeditadas cerca de 2.767 MPs, mesmo sem que o país não houvesse passado por um estado de urgência e relevância que justificasse o uso desmedido desta providência excepcional. Quanto ao seu sucessor, em poucos meses de mandato, até fevereiro de 2005, suplantou o número de MPs publicadas no governo anterior. As MPs, empregadas exageradamente, deviam ser rechaçadas pelo Judiciário, o que não acontece. Há quem sustente que o art. 62, § 6º da CF é de caráter declaratório e suficiente para sobrestar todas as deliberações legislativas, enquanto não estivesse concluída a votação de uma MP ou que essa votação ultrapassasse a quarenta e cinco dias, contados de sua publicação. Devido a isso, nem mesmo um projeto de lei oriundo do Executivo consegue tramitar no Congresso, em face do excesso de MPs. O uso indiscriminado faz delas um instrumento ditatorial, o que ocorre com a condescendência do Judiciário, de modo que os pressupostos constitucionais comportem interpretação ampla, que varia de acordo com os interesses do Executivo. Lula editou MPs para elevar o imposto de renda (MP 232) cobrado de prestadores de serviços e profissionais autônomos. Valeu-se do mesmo expediente para a doação de alimentos e combate a gafanhotos em países da América Central. Visava angariar a simpatia das nações favorecidas, para obter apoio à pretensão do Brasil por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Conforme lembrou o ex-presidente Nacional da OAB, Roberto Busato, em julho de 1998, Lula esteve no Conselho Federal onde entregou um documento pelo qual assumia o compromisso de acabar com o uso desordenado das MPs, o que não foi cumprido. Agora, diante da manifestação incisiva do Presidente do Senado (recém-eleito pela quarta vez), fica a esperança de que o processo de edição das MPs seja reformado, de modo que possam atingir a finalidade que o legislador constituinte lhes conferiu. Nota do Editor: Aristoteles Atheniense é Conselheiro Nato da OAB e Diretor da ACMinas.
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