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Opinião
08/04/2011 - 11h07
Anátemas do lixo nuclear
Maurício Waldman
 

Ainda em estado de choque, a opinião pública mundial assiste ao pesadelo em câmara lenta dos reatores nucleares de Fukushima. Tal como uma hemorragia que resiste a todo e qualquer tratamento, a usina nuclear continua a emitir pródigas quantidades de radiação, cujos efeitos em longo prazo estão distantes de serem mapeados e devidamente avaliados. Afinal, a gangrena radioativa continua, sem previsão de final feliz.

Fato óbvio, o acidente japonês traz a lembrança os dramáticos eventos da explosão do reator de Chernobyl (1986) e porque não, reacende as polêmicas relacionadas com a utilização da energia nuclear.

Na ocasião, a fusão do reator ucraniano matou entre 7 e 10 mil pessoas, fez 500 mil vítimas potenciais, afetou “em menor grau” nove milhões de pessoas e forçou a evacuação de 400.000 cidadãos. Até hoje, fatia considerável dos orçamentos dos países atingidos é destinada para remediar os problemas gerados pelo acidente.

Nesta ordem de considerações, é importante ressalvar que apesar de acontecerem, sinistros envolvendo usinas atômicas são sempre apresentados como “estatisticamente improváveis”. Ademais, estes equipamentos contam com palavras apaziguadoras de profissionais que assumem o papel de relações públicas a serviço da continuidade do nuclear.

Aliás, eis algumas suaves ponderações dos responsáveis pela Usina de Chernobyl:

“Mesmo que acontecesse o impossível, os sistemas de controle automático e de segurança desligariam o reator em questão de segurança. A usina tem sistemas para refrigeração do núcleo, além de diversos outros dispositivos tecnológicos de segurança” (Nicolai Fomin, engenheiro-chefe de Chernobyl, 1985).

“As chances de fusão de um núcleo são de uma a cada 10.000 anos. As usinas são dotadas de controles seguros e confiáveis, e estão protegidas de qualquer colapso por três sistemas de segurança diferentes e independentes” (Vitali Skiyerov, ministro de energia ucraniano, 1985).

“Esse medo das centrais nucleares não tem fundamento. Eu trabalho de avental branco. O ar lá dentro é puro e limpo, porque é cuidadosamente filtrado” (Boris Chernov, operador de turbina em Chernobyl, 1985).

Portanto, em face do que tem acontecido, tudo leva o cidadão comum à no mínimo, por em dúvida a palavra dos especialistas, uma descrença que seria maior ainda caso a pauta dos noticiosos explorasse mais profundamente o que está em jogo.

Efetivamente, os problemas não se resumem a incêndios de reatores, imagens de multidões em pânico ou outros incidentes cinematográficos. Silenciosamente, uma ameaça latente - sobre a qual a opinião pública é pouco ou nada informada - diz respeito à questão da geração, armazenamento e destinação do lixo nuclear.

É fato consumado que a operação de equipamentos nucleares gera rejeitos extremamente perigosos. Este é o caso do plutônio, elemento químico radioativo não encontrado na natureza. Subproduto do urânio - a matéria prima energética da atomoeletricidade - cada central nuclear gera em média entre duas e três toneladas de plutônio por ano, um material perigosíssimo devido sua índole destrutiva.

O plutônio - cujo nome deriva de Plutão, o Deus grego do Inferno - é uma “sobra” virulentamente letal. Basta uma fração da ordem de um milionésimo de grama para por a perder a saúde das pessoas. Além dos efeitos drásticos no meio ambiente, a periculosidade deste elemento químico pode perdurar por milhares de anos, potencializando pulsões já notavelmente daninhas.

O pior é saber que passando ao largo das controvérsias que cercam o nuclear, o segmento manteve taxas expressivas de expansão. Em parte, o crescimento se justifica por interesses bélicos. Como até hoje ninguém traçou a linha divisória que separa o chamado “uso civil” da “utilização militar”, não há como negar que a expansão da atomoeletricidade corre em paralelo com a probabilidade de eclodirem guerras nucleares, cujos efeitos, em si mesmos dantescos, provocariam impactos simplesmente sem precedentes.

Deste modo, tendo este cenário por pano-de-fundo, a produção mundial de eletricidade de origem atômica mais do que triplicou entre 1980 e 1997, especialmente nos países ricos. As centrais nucleares - 439 em maio de 2008 - estão atualmente em operação em muitas nações, particularmente no hemisfério norte. No século XXI, a energia nuclear alcançou participação nunca vista na produção de energia, suprindo 16% do consumo mundial.

Disto resulta um acúmulo de centenas de toneladas de plutônio. Em 2007, apenas os EUA, maior produtor mundial de energia nuclear (30% do total), exibiam uma montanha de 50.000 toneladas métricas de plutônio.

Mas onde colocar todo esse lixo? Há quem proponha lacrá-lo em cavernas artificiais construídas especialmente para este fim. Yucca Montain, controvertido projeto de armazenamento do lixo nuclear dos EUA em túneis escavados nas Montanhas Rochosas, acata tal premissa. Teoricamente segura, esta instalação recepcionaria todos os rejeitos radioativos dos EUA e inclusive de países estrangeiros, uma generosidade que o governo norte-americano advoga para que assim, seja detida a expansão dos arsenais nucleares.

Contudo, existem problemas notórios, a começar pela logística de transporte. Para funcionar efetivamente como depósito de resíduos atômicos, transferir lixo radioativo das usinas até Yucca Mountain solicitaria mais de 15.000 carregamentos por caminhão e ferrovia, os quais atravessariam 43 estados durante um período de 30 anos. Configurando um autêntico “Chernobyl móvel” para 50 milhões de pessoas ao longo do trajeto, este “detalhe” foi o estopim de aceso inconformismo em muitos estados dos EUA, que resistem em permitir a passagem do lixo nuclear pelo seu território.

Outro aspecto é o horizonte temporal. Devido à persistência da radiação, o horizonte de responsabilidade legal é avaliado entre 250.000 e 500.000 anos, um período de tempo equivalente a cem vezes o lapso entre a inauguração da pirâmide de Quéops e a leitura deste artigo. Isto significa ficar à mercê do imponderável, principalmente em função da imprevisibilidade dos desastres naturais, sem contar a maximização dos seus efeitos, vitaminados, por exemplo, pelas mudanças climáticas.

Nesta perspectiva, a tremenda quantidade de lixo nuclear, aliada aos seus malefícios e consequências duradouras no ambiente, põe diretamente em cheque a hipótese de uma estocagem eficiente.

Em suma e sem meias palavras: não existem recipientes, nem sistemas de armazenamento cuja blindagem seja invulnerável na escala de milhares de anos. Do mesmo modo que um tsunami imprevisto atingiu Fukushima - isto é: um fenômeno “estatisticamente improvável” - abalos sísmicos ainda mais devastadores não podem ser descartados em face do perfil geológico do território japonês.

Para complicar, teríamos falhas humanas igualmente inéditas e destinação não-planejada dos resíduos, incidentes que ninguém está em condições de assegurar a respeito de sua improbabilidade.

Fukushima mostra o quanto o discurso que candidamente batizou o nuclear como “energia limpa” - visto não gerar gás de efeito estufa - é largamente equivocado. Mostrou igualmente as limitações de um suspeito “diálogo responsável” que tem sido proposto para legitimar a expansão da atomoeletricidade.

Neste parecer, um fato óbvio se impõe: Não há diálogo possível com um anátema.

Num país que como o Brasil, já assistiu acidente sério envolvendo a radioatividade (caso do Césio de Goiânia de 1987), podemos - e devemos - lançar mão de alternativas mais aceitáveis. Algumas sugestões: energia solar, eólica e maremotora, as quais além de não produzirem efeito estufa, também não emitem radioatividade. Isto sem esquecer os benefícios da conservação de energia e utilização responsável dos recursos naturais.

Medidas mínimas cabíveis diante do espetáculo do inusitado.


Nota do Editor: Mauricio Waldman (www.mw.pro.br) é consultor ambiental. Pós-Doutorando do Depto de Geografia da UNICAMP, Instituto de Geociências. Bolsista do CNPq. Autor de Lixo: Cenários e Desafios, pela Cortez Editora, 2010 (www.cortezeditora.com.br).

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