Remexendo nos meus papéis, encontrei dois cartões de natal que recebi do meu amigo Gilberto Freyre, na década de 80. Consequentemente, também, descobri algumas anotações que havia feito sobre duas das suas obras, no ano de 1990: Ingleses e Ingleses no Brasil. O sociólogo de Apipucos, como ficou conhecido, quando jovem refletiu sobre o mundo dos ingleses. Provavelmente, influenciado pela sua estada em Oxford que o deixou, positivamente, impressionado com a universidade e o povo. Ao voltar para a cidade do Recife escreveu vários ensaios, onde relatou suas impressões sobre a sua passagem pela Inglaterra. Nesses trabalhos, reunidos posteriormente em Ingleses, preparou-se para escrever mais tarde Ingleses no Brasil. Nesse primeiro trabalho, redigido em primoroso estilo literário e embasado em filosofia, Freyre chamou atenção para dois aspectos inerentes à vida dos britânicos. Num deles denominado de “Anglos”, traduziu o lado pirata, dominador e imperialista dos ingleses; no outro, “Anjos”, a face boa, romântica, filosófica e teórica. Foi este segundo lado que Gilberto Freyre mais valorizou, obrigado que se sentiu em desfazer a imagem do Nordeste de que todo inglês era frio, distante e aristocrático. Não foi assim que os viu. Embora tenha reconhecido que, ao aportar no Brasil, os súditos de sua majestade se isolavam e procuravam viver, nos trópicos, de acordo com o modelo que trouxeram do seu país de origem. Aculturaram mais do que se aculturaram. Por meio dos poemas de Arthur Rimbaud e do sacrifício do Joana D’Arc mostrou o lado “Anglo” dos ingleses. Rimbaud, poeta responsável pela transformação da poesia ocidental, possuía uma personalidade inquieta, insatisfeita e marcada pelo orgulho. Foi também, no norte da África, um traficante de armas e negros. Ingleses foi escrito entre 1940/42, quando o Império Britânico passava por grandes transformações. Freyre baseava-se para afirmar essas mudanças, em Um fabricante inglês, obra que aponta o interesse da Inglaterra em promover e até aumentar suas relações comerciais com o Brasil e não com os Estados Unidos. Visto que, como é do nosso conhecimento, a partir da crise de 1929 o predomínio britânico foi declinando pouco a pouco no mercado mundial e o Norte Americano expandiu-se devido, principalmente, as constantes inovações no setor de produção industrial americana. Nesse ensaio, como referido acima, Gilberto Freyre preparou-se para escrever, seis anos depois, Ingleses no Brasil. Nesse lindo livro, analisou o processo de aculturação que ocorreu no país com a chegada dos ingleses, por meio de uma documentação até então inusitada, que representava o cotidiano: os anúncios de jornais. Acreditava conhecedor que era da Escola dos Annales e da Nova História, que este tipo de documento permitiria a ele ter acesso aos aspectos mais comuns da sociedade. Seu objetivo em Ingleses no Brasil. Gilberto Freyre foi um dos mais importantes autores do Brasil. Escreveu uma das obras mais marcantes do século passado: Casa Grande e Senzala. Minha admiração. Nota do Editor: Zóia Vilar Campos, pós-doutora pela USP (Universidade de São Paulo) é professora e membro do Grupo de Estudos de Comércio Exterior do Unifieo - Geceu.
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