O parlamento e o governo brasileiros viram-se, nos últimos dias, metidos numa discussão de pouco ou nenhum interesse à comunidade: a divulgação (ou não) de documentos reservados, secretos e ultrassecretos produzidos ou em poder dos arquivos públicos. Num primeiro instante, todos eram favoráveis à publicação “ampla, geral e irrestrita”, mas os ex-presidentes – hoje senadores – José Sarney e Fernando Collor advertem que a simples liberação desse material pode trazer embaraços. Chegaram a ser acusados de legislar em casa própria, já que estiveram à frente do governo, mas apresentam justificativas plausíveis. Uma delas é a forma em que foram negociadas e consolidadas as fronteiras nacionais, que poderá meter o Brasil e os vizinhos em uma verdadeira saia justa, decorrente de atos cometidos há um século ou mais.

Abrir ou não abrir irrestritamente os arquivos públicos é irrelevante para o futuro do Brasil e para o interesse das pessoas. Os senhores congressistas e o governo fariam melhor se, em vez disso, canalizassem seus esforços para propor, discutir e votar os artigos ainda não regulamentados de nossa já mais que vintenária Constituição. Isso, sim, pode interferir diretamente na vida do povo. Os arquivos poderão, no máximo, satisfazer curiosidades e, em contrapartida, reavivar nacionalismos e sentimentos que possam prejudicar a convivência hoje pacífica com as demais nações.

Assim como os outros países do mundo, o Brasil viveu momentos difíceis em sua história. As oscilações entre autoritarismo e democracia e as guerras mundiais fizeram muita gente sofrer. Felizmente, vivemos hoje em plena liberdade e podemos, até, discutir coisas como a tal abertura dos arquivos.

Somos de opinião que, passado os períodos de “quarentena”, todos os fatos da vida interna do país podem ser divulgados sem qualquer dificuldade, desde que isso não atinja a intimidade das pessoas e, principalmente, terceiros que não contribuíram para os acontecimentos mas seriam atingidos por seus reflexos. Quanto aos acontecimentos diplomáticos e de conflitos internacionais, é preciso mais cuidado. A vida das pessoas dificilmente atinge os 100 anos, mas as nações, culturas, crenças e sentimentos nacionalistas são perenes. É preciso muito cuidado para evitar constrangimentos e até confrontos desnecessários.

O Brasil é hoje uma florescente nação. Maior economia e líder inconteste do continente. Não pode perder-se com as águas passadas que, como já se dizia antigamente, não movem moinho. Temos de cuidar do presente e do futuro. O passado é apenas história que, nem sempre, apresenta motivos para ser contada. Todos os países, inclusive os que estiveram envolvidos em litígio com o Brasil, têm seus documentos secretos e, responsavelmente, não os divulgam. Até as pessoas, indistintamente, têm coisas de que não gostam de falar. São situações e contextos de diferentes épocas que precisam ser entendidos e não devem ser explorados de forma a trazer traumas e dificuldades. O futuro se constrói com ações positivas; as dificuldades do passado, felizmente, já passaram e foram superadas...

Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).