No início do governo Dilma foi alardeado um corte da ordem de R$ 50 bi nos gastos públicos. Todas as vezes que este tema vem à baila a opinião pública se manifesta favoravelmente. Isto se justifica por haver, no imaginário popular, uma ligação entre corte de gastos e redução da carga tributária. Apesar dos tributos financiarem os gastos públicos são coisas completamente distintas. O governo federal nos últimos anos, especialmente no Governo Lula, tornou-se extremamente eficaz no processo arrecadatório. O resultado disto foi um crescimento nominal, entre 2002 e 2010, de 166% na arrecadação dos tributos federais. Para tanto foi criada a Receita Federal do Brasil, órgão que administra os tributos federais internos (inclusive previdenciário) e do comércio exterior; fixou-se 28 declarações fiscais a serem entregues pelas empresas mensalmente; ampliou-se o número de declarações pegas na famigerada “malha fina”, entre outros. Os gastos públicos por sua vez são divididos em dois grandes conjuntos: as despesas correntes e as despesas de capital. As despesas correntes são aquelas destinadas à manutenção da máquina pública, envolve salários, aquisição de material de consumo, transferências para a iniciativa privada como, subvenções, salário família, aposentadorias e juros da dívida, entre outros. As despesas de capital destinam-se a ampliar a oferta de produtos públicos para atender necessidades coletivas. São formadas pelos investimentos em obras públicas, equipamentos e instalações em geral; aportes de capital em empresas estatais; dotações para financiamentos de investimentos e amortização da dívida pública. Para exemplificar, tome-se a construção de um hospital. A obra civil e os equipamentos fazem parte das despesas de capital. Os salários dos funcionários e os materiais de uso corrente pertencem às despesas correntes. Como o Brasil é um país em que a participação do Estado é amplamente requerida para minimizar as distorções sociais e para ampliar a oferta de infraestrutura, há uma forte pressão por aumento das despesas de capital. Todavia, a existência de despesas correntes, que consomem os recursos destinados ao capital, limita os investimentos. Esta situação é fruto de décadas da ação do Estado como financiador de investimentos e provedor da sua manutenção. Quanto maior a despesa de capital no presente, maior a pressão sobre as despesas correntes no futuro. Pela ótica das finanças públicas a gestão dos gastos públicos consiste em ampliar as receitas, principalmente, via arrecadação tributária, e promover os cortes nos gastos correntes para gerar margens que financiem os investimentos e pagar juros da dívida pública. É o chamado resultado primário. Quando se cortam gastos correntes deixa-se de comprar medicamentos, suprimentos de informática, merenda escolar, entre outros tantos itens de materiais de consumo necessários ao funcionamento do setor público. Não há ajustes nos salários dos servidores públicos, o que implica em desmotivação, baixa produtividade, greves em setores importantes, estresse no ambiente de trabalho e solicitação de exoneração, o que reduz o quadro e piora o atendimento. Isto sem falar nas brechas para a corrupção. Na prática o corte leva a insuficiência nos serviços do setor público. Este é o dualismo dos gastos públicos: de um lado é aplaudido por demonstrar austeridade do gestor, o que lhe dá crédito junto a população. Por outro lado cria falhas no atendimento ao cidadão, colocando em cheque a capacidade do setor público de atender às necessidades coletivas. A insuficiência no atendimento da população desnuda as vulnerabilidades na instituição governo que só serão resolvidas por um gestor austero (isto pelo imaginário popular), que por sua vez cortará os gastos em nome do equilíbrio das contas públicas, mantendo as mazelas no atendimento a população. É um círculo vicioso! Nota do Editor: Ricardo Maroni Neto, economista, professor do Unifieo e do IFSP, autor do Manual de Gestão Financeira, é membro do Grupo de Estudos de Comércio Exterior do Unifieo - GECEU.
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