Casar-me-ia em duas semanas e, segundo me disseram na secretaria da igreja, eu teria que me confessar antes de entrar para o time dos barrigudos. Minha irmã agendara o encontro com o padre. - Seis e quinze, Rinaldo. E às seis e quarenta e cinco eu tocava a campainha da casa paroquial. Uma senhora abriu a porta e me encaminhou para uma sala no fim do corredor onde o padre me esperava sentado em uma exuberante poltrona vermelha. Desejou-me um antipático boa-noite e, com os olhos cravados num imenso relógio de parede, apontou-me uma cadeira à sua frente. Sentei-me. - Então vai se casar? - Daqui a duas semanas. - Isso é bom, muito bom... Você a ama? - Claro. - Muito? - Bastante. - Bastante quanto? Cocei a cabeça. Eu não gostava daquele padre, ele sabia disso. Em contrapartida ele também não morria de amores por mim. Já havíamos trocado farpas em um jornal local e estávamos ali, agora, frente a frente. - Responda - insistiu. Vontade de mandar pr’aquele lugar. - Olha, padre, eu... - Basta - interrompeu. - Não precisa responder. Não teimei, claro. Ele fez o sinal da cruz e uma breve oração. - Pode se confessar - decretou, por fim. Na lata, assim, não dava. - Agora? Era. Assim mesmo. Ali mesmo. Busquei na memória: mortais e nem tão mortais assim. De minha última confissão até aquele dia amontoava-se um sem-número de atos que poderiam ser chamados de pecados. Enumerasse-os, ficaríamos ali por uns vinte dias e eu não tinha a menor intenção de chegar atrasado em meu casamento. Sintetizei: - Tirando roubar e matar o resto pode colocar na conta que já fiz de tudo. O homem só não me chamou de lindo. Ergueu-se, andou, gesticulou e por fim sentou-se. Respirou fundo e disse que não ouviria minha confissão. Eu precisaria rever meus conceitos religiosos, ele disse, meditar um pouco. - Isso aqui não é brincadeira, não. Chamou pela senhora que me abrira a porta e pediu que ela me acompanhasse até a saída. - Pense se é isso mesmo que você quer e volte aqui assim que tiver decidido. Não voltei. Duas semanas depois e estava casado. “Inconfessavelmente” casado. O padre, claro, não passou nem perto da igreja naquele dia. Um pecado! Mas foi que o engraçadinho do destino nos colocou outra vez frente a frente. Foi numa festa de aniversário de minha família. O padre muito amigo de minha irmã mais velha foi convidado. Vi quando ele chegou. A mesma cara antipática de doze anos atrás, o mesmo nariz adunco, pescoço empinado e o jeitinho molenga de andar. Eu estava sentado com meu filho mais novo, acreditem, fazendo uma tatuagem do Ben 10 nas mãos e me encolhi o que pude para não ser visto. Ele, ladeado de puxa-sacos, passou rente a mim e acho que me viu. Mas fingiu que não. Melhor pros dois. Mas eis que surge minha mãe: - Padre, que saudade! Como você está? Patati patatá... - Lembra do Rinaldo? Eh mãe!! - Rinaldo, vem cá, meu filho. Não tinha escapula. Deixei meu menino fazendo a tatuagem e fui ter com os dois. E mãe é mãe... - Você se confessou foi com ele no seu casamento não foi, Rinaldo? - disse ela. E antes que eu pudesse responder o que quer que fosse, não lembro quem disse que precisavam de mãe na cozinha. E ela foi. Eu e o padre. Frente a frente. De novo. Nem boa noite, nem como vai, apenas um olhar de reprovação sobre minha mão tatuada, um tapa nas costas e um sussurro, bem pertinho do ouvido: - Acho que no fundo no fundo você queria mesmo era fazer uma borboletinha... Dito isso, deu-me as costas e saiu.
|