Conheci não faz muito tempo um desses personagens pitorescos, excêntricos, com excessiva gordura por dentro e por fora: Bacamarte. Vamos chamá-lo assim, pois, se chamado pelo verdadeiro nome, dar-lhe-íamos oportunidade de exercer sua devotada paixão: processar pessoas. Dar-lhe-íamos oportunidade para ver, no que são apenas moinhos de vento, cavaleiros armados a desafiá-lo para uma peleja. Bacamarte - um Dom Quixote gordo e chato que caiu de pára-quedas em Ubatuba.

Bacamarte tem delírios de justiceiro, crê ser um paladino da justiça. Deve se sentir acima de magistrados, promotores, causídicos e jurisconsultos. Um fundamentalista, um xiita da Justiça. Ele é a Justiça, o instrumento máximo da justiça. A dieta de sua alma é processar os desafetos, já que não pode simplesmente eliminá-los. Quem não está com ele, está contra ele. Sua única atividade, que ele deve crer messiânica, é processar. Se pudesse, acamparia em definitivo nas imediações do fórum. Um sujeito caprichoso, maquinador. Deve acreditar que Ubatuba sem ele afundará num mar de podridão moral, de injustiças. Em breve, se já não estiver ocorrendo, Bacamarte passará por uma inexorável transformação: será mais um notório gangorra. Aquele tipo que, onde se senta, todo mundo se levanta e arranja desculpas para ir embora.

Com ele não há a possibilidade de tolerância, de compreensão da natureza humana. Não combate idéias ou ações, mas pessoas. Se estivesse com Pôncio Pilatos e no Sinédrio, seria um Caifás, usaria a lei para soltar Barrabás. Não lhe passa pela cabeça que até na justiça há limites a serem respeitados para que não acabe se tornando um Robespierre que, de tanto cortar cabeças, não conseguiu evitar que a dele próprio fosse guilhotinada. Em Bacamarte não há humildade. Ele se crê absoluto. O melhor antídoto contra ele é simplesmente ignorá-lo. Mas Ubatuba tem dessas coisas, e o pior é que há quem estimule, dê guarida ou ouvidos a figuras assim, correndo o risco de, criando cobras no quintal, acabar picado por elas. Fazer o quê? Cada cidade tem o Bacamarte que merece.