A podóloga olha meus pés e torce a cara. Calça as luvas. Joga álcool e sinto que quer atear fogo. Amaldiçoa o dia em que pensou em estudar pra estudar pés. Retém o ato. Lixa. Alicate. Lixa de novo. Troca o alicate. Troca a lixa. Não troca a cara. Torce a fuça de um jeito diferente. Levanta-se. Aconselha: - Não saia de casa descalço. É claro que não saio de casa descalço. Desde meus treze anos não saio à rua descalço. Dou uma de joão-sem-braço: - Mas não é bom pra ventilar os pés? Ela me olha desafiadoramente como quem diz “tá falando sério?”. Vê que falo sério. Ela também fica séria, enquanto se esforça para segurar o que parece ser uma gargalhada. Não consegue. Ri. Desculpa-se. - É bom para os pés a ventilação, sim - diz. E, recompondo-se do riso, continua. - Mas é melhor que não saia descalço, sabe? Pra não correr o risco de pegar micose. “Sube”, como diz um conhecido. “Sube” e fiquei encantado com a educação com que ela me disse que eu era um perigo para a sociedade; e que se caso eu saísse de casa descalço ela seria obrigada a chamar a polícia, afinal, o mundo não estava nem um pouco preparado para enfrentar uma apocalíptica epidemia de micose. Saio dali feliz, embora, devo admitir, um pouco preocupado com minhas novas responsabilidades. O futuro do mundo depende única e exclusivamente de mim. Mas claro que todos os transeuntes, todas as belas moças que passam por mim, os senhores e todos os jovens podem dormir tranquilos. Sou uma pessoa do bem, apreensivo leitor, e definitivamente não sou homem de andar descalço. O mundo está em bons pés.
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