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Crônicas
03/02/2012 - 10h07
A bela história da Família Puertas
Maria Angélica de Moura Miranda
 
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Joaquim Puertas, meu avô, deve ter nascido por volta de 1890, em Granada, na Espanha. Seus pais eram João Puertas e Thereza Garcia.

Aos 13 anos, descontente, porque seu pai, que ficara viúvo, havia se casado novamente e ele não gostava da sua madrasta, resolveu sair de casa, seguindo para uma cidade portuária espanhola, talvez Barcelona.

Quando chegou a este novo endereço, jovem ainda, ouviu rumores a respeito do novo mundo. Atento aos comentários daqueles que vinham de viagens longínquas.
Então, um desejo, dominou sua vontade e ímpeto juvenil: queria lançar-se numa viagem marítima em busca de grandes aventuras na América, terra, segundo alguns, de grandes oportunidades.

No começo achou que poderia partir para os Estados Unidos da América, mas como estava sozinho não conseguiu embarcar no navio.

Seguiu, então, para a área de embarque de outro navio cujo destino era a República Federativa do Brasil, fazendo-se passar por membro de uma das famílias que subiam a bordo.

Depois de muitos dias de viagem, desembarcou no porto de Santos e seguiu para o interior do Estado de São Paulo a fim de trabalhar nas fazendas de café.

Enquanto trabalhava na lavoura de uma propriedade em Presidente Prudente, conheceu Josefa Guerra, filha de Agostinho Guerra e Elvínia Belatatta, imigrantes Italianos. A moça já fora prometida para outro rapaz de família conhecida, mas se apaixonou perdidamente por Joaquim Puertas e fugiu de casa para viver ao lado do seu amor, enfrentando todas as adversidades imagináveis.

Josefa, que completara recentemente dezesseis anos, e Joaquim, que segundo depoimentos da própria esposa, era homem feito, tendo, certamente, mais de vinte anos, e já ostentava nesta época um aspecto fisionômico que seria constante pelo resto de sua vida: um negro e sisudo bigode.

Os primeiros filhos nasceram ainda na fazenda, mas logo depois, Joaquim Puertas se mudou para São Paulo com a família, indo trabalhar no Gasômetro. Com esse novo emprego, conseguiu fazer algumas economias e comprou um sítio em Poá (em terras próximas à casa da Tia Maria). Nesse local nasceram os outros onze filhos. Ao todo, foram vinte crianças.

Meu avô fazia os partos da minha avó. Quando percebiam que o momento estava próximo, ele se preparava e, num instante, já estava com a criança nas próprias mãos, banhando-a numa convencional bacia de alumínio. A filha mais velha, Hermínia, preparava uma canja bem forte para que Josefa se recompusesse após o parto.

Meu avô era parteiro e veterinário, pois curava os animais, capava porcos, amansava cavalos etc.

Minha avó Josefa se desdobrava com tantos filhos para alimentar, banhar, mandar para a escola. Os irmãos mais velhos ajudavam a tratar dos mais novos. Todos foram alfabetizados, motivo de orgulho para os pais que não tiveram oportunidade de estudar.

Nessa época, Joaquim Puertas, que estava se recuperando de uma cirurgia, resolveu fazer em casa uma fábrica de bonecas. Elas tinham o rosto e as mãos de porcelana ou papelão e as roupas de pano. Até as crianças ajudavam na produção dos brinquedos. Depois de prontos, minha avó e seus filhos mais velhos levavam de trem até a capital e entregavam nas lojas.

Logo depois, Joaquim Puertas comprou uma carroça e passou a vender frutas que ele comprava no Mercado Municipal e revendia nas ruas. No ano seguinte, já tinha também outra carroça para os filhos fazerem carretos, mudanças, transportarem material de construção etc. Os maiores começaram a trabalhar na Capital, iam de trem até São Paulo.

O Tio Joaquim (Ninho) casou-se com a Tia Antônia (Neta). A Tia Hermínia (Mina) casou-se com o Tio Diógenes. Nasce o primeiro neto: o Diógenes (Nenezão), da Tia Mina.

O meu Avô conheceu então o Sr. Lorely Novazzi “Seu Loro” e a turma do Abrigo Batuíra, que são vizinhos até hoje do sítio em Poá e mais uma vez o espírito aventureiro falou mais alto.

Veio para São Sebastião, junto com o Seu Loro, comprou uma casa com uma grande área de terras no Bairro de São Francisco e resolveu que mudaria com a família para cá.

O Seu Loro que era o responsável pelo Abrigo Batuíra também comprou terras no Bairro de São Francisco e fez aqui a Colônia de Férias do Abrigo Batuíra, onde hoje é a Casa de Cultura de São Sebastião - Batuíra.

No dia 28 de abril 1949, entre 7 e 8 horas da manhã, saía de Poá uma caravana composta por três caminhões lotados rumo a São Sebastião, Litoral Norte do Estado de São Paulo.

Um dos caminhões trazia todos os móveis da casa: panelas, quadros, guarda-roupas etc.

O outro trazia três vacas, um cavalo, uma égua e cachorros.

O terceiro caminhão vinha forrado de colchões, até nas laterais, parecendo um imenso sofá, onde vinham todos da família: João, Hermínia, Beatriz, Flávio (noivo da Beatriz), Olga, Esmeralda, Osvaldo, Neli, Chado, Telo, Raul, Mercedes, Boza, Diógenes (marido da Hermínia). Na cabine vinham o motorista Tito Fuga, o Joaquim Puertas, a Josefa Guerra com o seu netinho no colo, o “Nenê” da Tia Mina.

Chegaram à noite em São Sebastião, na casa que durante muitos anos foi da família, mas que não existe mais. Quando acabaram de descarregar os caminhões, meu Avô foi até um bar com os motoristas tomar uma cerveja e lá os caiçaras comentavam, confundidos, que chegara um circo na cidade.

Começava uma vida nova, num clima completamente diferente. Os mais velhos já trabalhavam em fábricas, eram acostumados com a vida na cidade grande. As moças com a pele lisa e macia foram ficando cheias de calombos por causa das picadas de borrachudos. Na capital usavam sapatos de salto, meias de nylon, eram tecelãs trabalhavam nas Tecelagens Matarazzo.

Os filhos mais velhos estranharam muito a nova terra no começo, enquanto os mais novos logo se renderam às alegrias de morar perto da praia.

O Tio Manoel (Lique) casou-se com a Tia Clarice (Ninica). Ele, Joaquim (Ninho), Hermínia (Mina) e Osvaldo viveram em São Paulo, mas ao se aposentarem vieram para São Sebastião. O Tio João, quando casou, morou um tempo em São Sebastião e depois foi para Poá onde passou o resto da vida. Todos eles tinham casa de veraneio no Bairro de São Francisco, por este motivo, estavam sempre juntos.

Logo que chegou aqui, o Joaquim Puertas construiu uma olaria. Vendia tijolos até em Ilhabela, transportando-os numa chata até o outro lado do canal. Depois de um tempo, passou a vender leite fresco, montando um açougue no qual ele mesmo, com ajuda dos filhos, matava os bois. Um trabalho muito pesado e arriscado na época.

Em meados de 1949, montou uma venda no centro do Bairro. Todo mês ia para São Paulo e trazia até produtos importados: azeitonas, vinhos, azeite, queijos, frutas cristalizadas etc. Vendia fiado, anotando as vendas em uma caderneta. Suas anotações só ele entendia, pois não tinha familiaridade com a escrita, no entanto, segundo conhecidos, fazia todas as contas de cabeça.

Meu avô caçava na Serra do Mar, pescava com os filhos, criava porcos e galinhas, plantava verduras e legumes, por isso havia fartura de alimentos.

Assim criaram e casaram todos os filhos, sem luz elétrica, com água do poço e fogão à lenha. Não havia geladeira, as carnes eram cozidas e conservadas em latas cobertas com banha de porco, e os banhos eram em bacias com água que precisava esquentar no fogão de lenha. Uma vida distante dos confortos propiciados pelas novas tecnologias incorporadas ao nosso cotidiano a partir do processo de industrialização do Brasil.

Mesmo assim, viviam felizes. Minha avó tinha um especial carinho com as crianças e, por conseguinte, seus filhos foram pais atenciosos que sempre foram muito carinhosos conosco. Sofreu muito com a morte dos filhos e também quando meu Tio Joaquim foi convocado para a Segunda Guerra Mundial (sobreviveu bravamente a este terrível evento). Mesmo com tantas turbulências, superou seus medos, desesperos e preocupações.

Em 1958, o Joaquim Puertas faleceu e tudo leva a crer que o esforço para empilhar caixas de cerveja ocasionou um ataque cardíaco fulminante. Chegou a ser socorrido no Hospital de Caraguatatuba, mas não adiantou.

Com a sua morte, a venda e as terras foram divididas entre os filhos, que já eram adultos. Nas terras, uma rua foi aberta, recebendo o nome de Joaquim Puertas. Nasceu o primeiro bisneto: o Paulo da Ernestina.

Depois do falecimento do meu avô, minha avó Josefa viveu ainda muitos anos, sempre forte e corajosa. Conheceu, netos e bisnetos. Dotada de uma memória invejável, sempre lúcida, lembrava até das datas de aniversário e casamento de todos.

Morou sozinha por muitos anos em uma casa nos fundos da casa do Tio Zoé (Boza), o filho mais novo e depois, quando não podia mais, morava alternadamente na casa das filhas. Quando precisava dar um “pito” em algum filho, eles vinham de cabelos brancos e ouviam atentamente o que ela dizia.

Faleceu vítima de um derrame que a deixou sem voz e a seguir outro derrame que a levou de vez em 1988.

Hoje, quase toda família continua nas terras que foram do meu avô. O Bairro ainda é ponto de encontro dos Puertas. Aquela montanha escura já se transformou, exatamente como Joaquim imaginava, com as casas dos filhos, dos netos, bisnetos e tataranetos. O primeiro tataraneto foi o Fabinho, do Fábio da Ernestina.

Concluí este trabalho porque espero que nos momentos difíceis das nossas vidas, cada um de nós, que somos descendentes de Joaquim Puertas e da Josefa Guerra, possamos nos lembrar desse exemplo de luta, comprometimento e amor.

Minha avó vivia dizendo que “os vivos estão aqui e os mortos estão juntos do lado de lá”. Sigo acreditando neste ensinamento: a alegria e o amor da nossa família, nossos vínculos, vão para além dessa vida.

Encerro este trabalho no dia 01 de fevereiro de 2012, nesta data o mais velho da família é o Tio Manoel (Lique) com 92 anos, e os mais novos são o Paulo, do Maurício do Ariovaldo e o Luiz Fellipe da Tatyana da Nena que nasceram este ano. Ao todo somos 257, destes 23 são falecidos, poucas famílias reúnem tanta gente.

São Sebastião, Litoral Norte de São Paulo.


Nota do Editor: Maria Angélica de Moura Miranda é jornalista, foi Diretora do Jornal "O CANAL" de 1986 à 1996, quando também fazia reportagens para jornais do Vale do Paraíba. Escritora e pesquisadora de literatura do Litoral Norte, realiza desde 1993 o "Encontro Regional de Autores".
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