Está circulando agora na Câmara o relatório do deputado Paulo Piau com mais alterações ao texto do novo Código Florestal que foi aprovado pelo Senado no final do ano passado. Como essa Casa fez alterações ao primeiro projeto vindo da Câmara, a matéria precisou retornar para lá e será mais uma vez votada pelo plenário. Desta vez, será o relatório do deputado Paulo Piau. A tendência é de desfecho sem bom senso. Quando foi mesmo que tudo começou? Em 2010. Numa iniciativa dos próprios deputados, foi apresentado para votação um projeto de novo texto para o Código Florestal brasileiro de 1965, juntando todas as medidas provisórias (MPs) e decretos sobre o tema que o vinham modificando desde 1999. Esse texto incorporava as mudanças conceituais e jurídicas ocorridas no período, atualizando o Código e dando segurança jurídica a proprietários rurais de todos os tamanhos. Esse projeto foi encaminhado a uma comissão da Câmara da qual o deputado Aldo Rebelo era relator. Ele, então, apresentou o substitutivo que vem gerando todo esse debate. A rigor, esse novo código deveria resolver a insegurança jurídica de produtores rurais, já que o Código de 1965 foi sendo modificado por diferentes MPs e decretos. O substitutivo do deputado Aldo Rebelo elevou a discussão sobre a matéria a outro patamar, envolvendo a espinha dorsal da preservação ambiental do país - as áreas de proteção permanente e as reservas legais. Avançou para ser o ponto de pressão sobre a base governista no Congresso e sobre o próprio Executivo para se transformar, atualmente, em ícone do desenvolvimento sustentável no Brasil. A partir dos anos 1990, quando a consciência ambiental ganhou mais força do Brasil, recrudesceram denúncias e manifestações públicas contra o desmatamento indiscriminado, principalmente na Amazônia (até então pouco explorada). Nessa década, por conta dos avanços acadêmicos, conceitos como “bioma”, “biodiversidade” e outros ganharam relevância na sociedade civil organizada, que se mostrava cada vez mais preocupada com os descaminhos ambientais no Brasil. Passou a cobrar de governos e de empresas mais atenção ao patrimônio natural do Brasil. Por isso, surgiram, desde 1999, medidas provisórias que complementaram o Código. Mas como essas medidas nunca foram votadas, o Código continuou sem regulamentação e sem a possibilidade de se aplicar as sanções para quem o desobedecesse. A primeira MP que modificou o Código surgiu em 1999 e alterou as medidas das APPs, estendendo-as, conforme o rio, lago ou morro, a até 500 metros. A MP introduziu o conceito de bioma e especificou um limite diferente de reserva legal para cada um deles. Assim, uma propriedade no Cerrado pode ser desmatada em até 35% de seu tamanho, deixando 65% intactos, como reserva legal. Na Amazônia, a proporção é de 20% de desmate para 80% de reserva legal. Nos demais biomas, por já terem ocupação mais antiga, estabeleceu-se a proporção de 80% de desmate e manutenção de e 20% de reserva legal. Até 2001, surgiram outras medidas provisórias que alteraram a proporção das reservas legais e regulamentavam outras matérias contidas no Código Florestal. Em 2001 também foi editada a Lei de Crimes Ambientais que penaliza crimes contra o meio ambiente cometidos também por empresas e no meio urbano. Todas essas MPs precisariam ter sido votadas pelo Congresso para se tornarem leis, mas nunca o foram, criando, assim, a situação de insegurança jurídica no meio rural. Por isso, em 2008, a Presidência da República edita o decreto 6514 que regulamentou a lei de crimes ambientais e as MPs que modificavam o Código Florestal, estabelecendo o processo administrativo federal para apuração das infrações e aplicação das sanções administrativas ao meio ambiente. Com isso, criou condições jurídicas e institucionais para que os proprietários que desmatassem APPs e RLs fossem considerados criminosos. O artigo 55 desse decreto prevê multa variando de 50 reais a 500 reais / dia por hectare ao proprietário que não registrar a reserva legal e/ou a APP na sua propriedade em 60 dias após o auto de fiscalização. Ao mesmo tempo, o artigo 152 dispõe que essa multa só será cobrada cento e oitenta dias após a publicação do decreto. Por conta desse artigo, os proprietários rurais que não averbaram as reservas legais (na maioria dos casos, porque desmataram) pressionam o governo que reedita o decreto a cada seis meses, prorrogando a cobrança da multa estipulada no artigo 55. Com esse decreto e as multas subsequentes, as propriedades rurais que desmataram em desconformidade com a lei ficaram em situação de ilegalidade e de insegurança jurídica, sujeitas inclusive à desapropriação. Por isso, em 2010, foi apresentado o novo projeto do Código e o substitutivo do deputado Aldo Rebelo, como já explicamos no início. O joio e o trigo É preciso reconhecer que muitos proprietários que estão em desacordo com a lei desmataram antes da legislação de 2001 e, na época, estavam rigorosamente dentro das normas. No entanto, existem aqueles produtores que, aproveitando brechas da lei, desmataram antes e depois de 2001. E que continuaram desmatando mesmo depois da regulamentação de 2008. O dilema que a sociedade precisa enfrentar, hoje, é como separar o joio do trigo, promovendo o respeito à lei e garantindo uma legislação que seja base para o desenvolvimento sustentável do país. O relatório sobre o novo Código Florestal aprovado pelo Senado mantêm as áreas de Reserva Legal não mexe nas APPs. Mas, nos casos de propriedades desmatadas depois de 2001, permite a recomposição de 50%, conforme o Código de 1965, e não de 80% ou 65%, conforme a legislação mais moderna. E mantêm a anistia aos proprietários que desmataram as APPs e RLs. Boa notícia A presidenta Dilma Rousseff resolveu assumir pessoalmente as negociações para a votação do novo Código Florestal. Ambientalistas, cientistas e a sociedade civil já se mobilizam contra as modificações introduzidas nesse texto, por considerarem um retrocesso maior do que a versão saída do Senado. Esse clamor vindo dos diversos setores sociais e a resistência do Congresso em ouvir essas demandas devem ter sido fatores decisivos para a presidenta Dilma assumir o comando do processo. A participação direta da Presidência da República nessas negociações pode trazer bom senso às discussões, garantindo os avanços da política ambiental no rumo que a sociedade almeja - do desenvolvimento sustentável. Em resumo, a sociedade quer a manutenção das atuais distâncias para APPs e Reservas Legais, a não anistia a proprietários que desmataram e a gestão do Código sob jurisdição da União, e não dos Estados. Os empresários que já estão convencidos de que o desenvolvimento sustentável é o caminho para o crescimento dos negócios e para a estabilidade ambiental e social deveriam colocar-se ao lado da presidenta nessa tarefa, por convicção ou por interesse. Afinal, o Brasil aprovou um Plano Nacional de Mudanças do Clima, no qual 80% da meta de redução de carbono é calcada na diminuição do desmatamento. Se esse substitutivo entrar em vigor do jeito que está, o desmate vai aumentar, colocando nos ombros de outros setores, inclusive da indústria, um esforço ainda maior para reduzir as emissões. Nota do Editor: Paulo Itacarambi é vice-presidente do Instituto Ethos.
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