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SEÇÃO
Crônicas
25/06/2012 - 15h00
A largueza do Largo
Marco Albertim
 

Não é tão largo o Arouche. Uma vintena de moços, ali, estremece de uma emoção tão própria quanto os trejeitos. Os trejeitos, diga-se, alegres, ruidosos, roçam a cólera. Pouco, nada se lhes dão no fato de que o boa-noite de Fátima Bernardes é uma firula que oculta a alegria colérica do Arouche.

Por certo, rendem-se à redondez do rosto femíneo na televisão. No cenário escolhido, são tão atávicos quanto a prestidigitação da apresentadora no pó de arroz, sob a luz, autômato, dócil ao sentencioso teleprompter. Suspiram, obedientes ao proscênio, ouvindo o treinado sustenido de William Bonner. Suspiram ali, na largura do Largo, com a largueza abrigada nos fícus de copas largas. Não careceriam do Largo, caso as ruas fossem menos estreitas para dar conta da liberdade de suspiros.

Mas o sorriso do casal não é um aceno. Eles, os moços, dão-lhes as costas. O Largo é tão pequeno que um ou outro tira a camisa, sem despregar a mão do parelho; sacode-a para cima, dando asas ao estandarte de uso incerto. São livres no gueto; a largueza dos quadris confirma-o, inda que nutrindo-se numa crença pequena, minguada, de liberdade.

Do Mercado das Flores não se desprende o frescor de uma bétula; se, sinuoso, paciente, friccionasse os peitos hirtos das moças no vicejo, secaria o suor de mãos noutra fricção. As mãos se tocam, certas de que as esculturas d’A menina e o bezerro são telúricas na absorção da bétula urdida, benzedeira.

O teleprompter fora desligado. Em seu lugar surge uma trama que coze, emoldura o prato malsão servido pelo noticiário. Os moços não veem a novela. O Largo enfeita-lhes a noite como num caixilho bucólico, acolhedor. Tem começo o passeio. O moço que não larga as mãos do parelho, o mesmo que tirara a camisa para crer-se mais livre que o tiuí de canto desabrido, estica o braço para cima. A silhueta fina não se encolhe ao ruído de buzinas na rua do Arouche. A mão aberta estapeia o sopro que vem da Praça da República; modo fácil de resistir ao vento prenhe de agouros; por isso não se põe em guarda com sentimentos de pesar. A coreografia, ele o sabe, é o rito pré-coital, orna a cidadania tênue. É teatral, daí a vizinhança do trejeito alegre com a cólera. O cabritismo pode dar lugar à agressão ao menor indício de homofobia. O braço, que também acena para um sopro sem agouros, está nu como o juízo cujos limites são o contorno do Largo do Arouche.

O tiuí dorme, tem do lado a quentura do parelho que o defende só do sopro frio entre a ramagem. Meia-noite, ouve-se um grito solitário que resiste ao vácuo da hora; é a reiteração estridente do culto de si mesmo. A praça não está vazia, nunca se esvazia de todo. Resta-lhe a procissão escassa, miúda, de quem ainda não se desnuda ao ver o sol incidir na ramagem, infundir energia ao casal de tiuí. O frescor da bétula... Ora... Só a próxima noite soltará novo perfume.


Nota do Editor: Marco Albertim é jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

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