Não esqueça essas palavras, originalmente presentes em Memórias póstumas de Brás Cubas. É tudo volúpia do arrependimento. Decore-as! Guarde-as bem, porque elas nomeiam claramente aquele aperto taciturno que tortura nosso peito. Porém, de que nos arrependemos? Se há algo que realmente nos torna melhor neste vale de lágrimas é o sentimento de culpa que nos leva a um sincero reconhecimento de nossas faltas. Ele nos permite ter acesso a uma medida real de nossa pequenez. Sem sentimento de culpa não somos capazes de reconhecer a verdade e a falsidade presentes em nossos atos e, consequentemente, cegamo-nos para a Verdade que a tudo ilumina. Fiando nosso passo por essa vereda, tudo se torna relativo, tornando nosso ego inchado e degradado o referencial absoluto do entendimento. O fruto mais patente desse relativismo moral é o tosco umbigocentrismo reinante que inverte todos os valores em nome de nossa desumanidade. Por isso mesmo que tanto o Bem-aventurado Papa João Paulo II, em sua Encíclica Veritatis Splendor, como o Papa Bento XVI em sua Encíclica Spe Salvi, nos chamam a atenção para o fato de que a raiz do totalitarismo moderno encontra-se no fechamento da alma humana para a dimensão transcendente da Verdade. Ao tornarmo-nos obtusos à verdade que nos transcende e nos dá forma, abrimo-nos, inevitavelmente, à redução da pessoa humana a um mero joguete de decisões e opiniões arbitrárias. Por isso o arrependimento advindo da culpa apenas pode nascer dum frequente exercício de exame de consciência. Aliás, a consciência torna-se estéril a partir do momento em que o sujeito não mais reconhece-se culpado pelos seus erros e faltas. E o engraçado nisso tudo é que quanto menos uma pessoa cultiva o arrependimento sincero, mais ela fala da necessidade atávica de se conscientizar as pessoas disso ou daquilo. Sim, quando nos apresentamos desnudos diante do tribunal da consciência nosso peito dói. Sentimo-nos mal porque a maledicência que frutificou de nossos atos torna-se presente diante das meninas de nossa vista. Tal situação é vergonhosa mesmo que estejamos a sós e, por isso mesmo, tal qual Adão, nos escondemos de Deus e de nós mesmos. Camuflamos nossa vergonha com as folhagens de nossa soberba e alguns ramos de vaidade. Fechamos os olhos e viramos as costas para a responsabilidade pessoal por nossa vida bem do jeitinho que o diabo gosta. Não é por menos que o arrependimento tornou-se um gesto pornográfico na sociedade contemporânea. Não é à toa que o relativismo dos valores faça tanto sucesso, visto que, de tanto auto-estimarmos nosso universo umbilical que nos perdemos da Verdade sobre nós.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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