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Opinião
29/07/2012 - 08h04
Crimes mórbidos: o esquartejamento
Breno Rosostolato
 

Diante de tantos assassinatos motivados por traições e adultérios, nem mesmo Nelson Rodrigues, dramaturgo, jornalista e escritor brasileiro, poderia imaginar cenários mais nefastos e doentios como os ocorridos ultimamente no Brasil. O escritor de inúmeros contos, como A vida como ela é, retratava as mazelas e a hipocrisia da sociedade de maneira visceral.

Com uma escrita inteligente e enredos envolventes, as intrigas entre famílias e casais são explorados sem delongas. Através de um cinismo singular, Nelson Rodrigues aborda as tragédias do amor, salientando de maneira quase obsessiva, as traições amorosas. A infidelidade na obra Rodrigueana revela uma crise na moralidade de uma sociedade e nos posicionamentos individuais de suas personagens. No entanto, o caso do assassinato e esquartejamento do empresário Marcos Kitano Matsunaga, herdeiro da Yoki Alimentos, cometido pela própria esposa, Eliza Matsunaga, está mais para um conto do Marquês de Sade, escritor francês, conhecido pelo sadismo e que expunha a perversividade humana.

Eliza, ao suspeitar da infidelidade do marido, contrata um detetive para investigá-lo e descobre a traição. Através de um vídeo gravado pelo detetive, o empresário é visto abraçado e trocando carícias com outra mulher. Após uma discussão entre o casal, no qual ela alega ter sido agredida, Eliza pega um revolver e atira no marido. Sozinha, decapita o corpo de Marcos e coloca tudo em sacos plásticos e depois em malas. A câmera de segurança do elevador do prédio onde vivia com o marido flagrou-a com as malas. A esposa confessa o crime e admite que o corpo do marido estava nas malas. As sacolas com o corpo foram encontradas na Estrada dos Pires, região rural conhecida como Caucaia do Alto, em Cotia, no dia 27 de maio. Marcos estava desaparecido desde o dia 20 de maio.

Caso semelhante aconteceu em Jaboatão dos Guararapes, Recife, em que Luiz Antônio dos Santos Júnior mata a esposa Mirtes Juliana Araújo a golpes de barra de ferro. Não satisfeito, esquarteja a mulher e coloca tudo em sacos de lixo para se livrar do corpo. O criminoso só foi preso quando a própria mãe viu a cabeça da nora em um dos sacos e acionou a polícia. O crime aconteceu porque Luiz não aceitou o término da relação.

Casos como esses são cada vez mais comuns. Com frequência, vemos crimes com requintes de crueldade e perversividade, mas o que leva alguém a esquartejar o outro? Ao que tudo indica, não é apenas o fato de tentar sumir com o corpo da vítima, ocultando o crime. Este pode até ser um argumento plausível, mas existe algo a mais. O ódio transformado em fúria na vítima. Uma exorcização da angústia da separação, sensação de abandono, o fracasso à traição e a frustração da rejeição e consequentemente, o crime é a concretização da ira do assassino.

O esquartejamento era uma forma de punição severa, utilizado desde a Idade Média e popularizado na Inquisição. A pena tinha o intuito de retratar o criminoso como exemplo, ou seja, intimidar a população para que não houvesse outros atos criminosos e, principalmente, coibir revoltas contra os comandantes do país. Assim foi com Tiradentes, o inconfidente mineiro enforcado, esquartejado e que teve partes do corpo espalhadas pelas cidades por onde discursou contra a coroa portuguesa.

Casos de esquartejamento têm como características a perversão e são ritualísticos, conotando, portanto, um prazer mórbido. Após atirar no marido, Eliza supostamente ficou dez horas pensando o que fazer com o corpo. Para ela o esquartejamento foi o mais sensato a se fazer, dando vazão ao seu desejo de vingança. Mesmo tempo levou o cirurgião plástico Farah Jorge Farah, que em 2003 usou bisturi e pinças para dissecar o corpo e retirar a pele de parte do rosto, do tórax e das pontas dos dedos das mãos e dos pés da amante Maria do Carmo Alves. As vísceras da vítima não foram encontradas.

O crime de esquartejamento é minucioso porque pressupõe que o assassino dedique-se a despedaçar o corpo da vítima, revelando que os sentimentos do agressor estão igualmente despedaçados. Da mesma forma que dissecar é fragmentar aquilo que outrora estava inteiro. O sentimento depositado no outro que fora quebrado, o amor idealizado fracionado pela decepção. Mesmo diante do sofrimento e a dor de ter sido traída e das agressões físicas e morais, o que acredito que foram motivações do crime praticado pela técnica em enfermagem, colocar-se no lugar dela não deve minimizar a crueldade do esquartejamento. O ritual é finalizado jogando o corpo distribuído em sacolas ou sacos de lixo em locais afastados, estradas, no mato ou em locais inóspitos como esgoto, lixões e valas, simbolizando a limpeza feita pelo criminoso e destinando à “sujeira” ao lixo.

Independentemente das discussões sobre psicopatia, a ideia não é classificar o crime, mas tentar explicar que a morte não satisfaz o assassino. É preciso algo a mais para que ele sinta-se plenamente vingado e satisfeito. Crimes como relatados anteriormente e tantos outros, como o do famoso caso de Chico Picadinho, que matou e esquartejou duas mulheres no ano de 1966 e 1976, demonstram que, as crueldades dos assassinatos não se limitam em matar, mas esquartejar é o requinte desta crueldade.


Nota do Editor: Breno Rosostolato é professor de psicologia da Faculdade Santa Marcelina.

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