Amélia era uma senhora que estava sempre reclamando de problemas de saúde. Não havia um único dia, que ela afirmasse estar bem. Dizia ter gastrite, sinusite, bronquite, renite, bursite e várias outras doenças terminadas sem ite. Ao vê-la no portão, os vizinhos demonstravam pressa. Ninguém tinha paciência para escutar por horas a fio, um rosário de enfermidades. Uns ao encontrá-la diziam: “Desculpe, dona Amélia, preciso ir andando, deixei o leite fervendo”. “Outra hora a gente conversa, preciso dar um telefonema urgente.” “Puxa, dona Amélia, acabei de lembrar que deixei uma torneira ligada.” Alguns nem se esforçavam para arrumar uma boa desculpa: “Acho que peguei a tal gripe do frango, não vou parar para não contaminar a senhora que já é tão doentinha!” “Desculpe a pressa, mas me bateu uma dor de barriga. Preciso entrar em casa rapidinho.” Certa ocasião uma senhora que se mudara há pouco para o bairro, e ainda não conhecia bem a Amélia, passou duas horas e meia em pé a ouvindo reclamar de suas mazelas. Era incrível como em um corpo tão franzino coubesse tanta doença, se perguntava a ouvinte. O sol começava a se esconder quando a pobre senhora - com as pernas inchadas pelo tempo que passou de pé -, conseguiu se livrar e ir para casa. Deste dia em diante ela evitou passar próximo a casa da Amélia e se por acaso a encontrava na rua, fugia dela como o diabo foge da cruz. Não tinha idade e nem paciência para ouvir tanta lamuria. O médico do hospital local, suava frio quando encontrava entre as fichas dos pacientes, o nome de dona Amélia. Era um tormento tentar explicar para ela que todos os seus exames estavam perfeitos, que não havia nem sombra de doença, ou qualquer infecção ou inflamação. A gula foi o único mal do qual Amélia padeceu durante toda vida, e por ser gulosa morreu aos oitenta e sete anos engasgada com espinho de peixe.
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