O cacau do Brasil passa por uma fase de muitos desafios, porém bastante promissora. Hoje o florescimento do setor cacaueiro do sul da Bahia salta aos olhos. O país busca caminhos e alternativas para recuperar as perdas do passado e voltar à sua plenitude, depois que a vassoura de bruxa (causada pelo fungo Crinipellis perniciosa) reduziu a produção de 320 mil toneladas para 123 mil toneladas no final dos anos 80 e início dos 90 (*). Iniciativas importantes que visam buscar a melhoria da qualidade do cacau brasileiro estão tomando corpo e despertam os interesses tanto de renomados chocolateiros de várias partes do mundo como de indústrias de médio e grande porte. Dentre essas iniciativas, destaca-se o fomento de sistemas de proteção ao meio ambiente, assim como a introdução de novas tecnologias para diminuir a incidência de doenças, e também a busca por certificações como Rain Forest, Alliance, Orgânico e Fair Trade (Comércio Justo), além da Indicação Geográfica de Origem (IG). Esse conjunto de ações visa alcançar o reconhecimento internacional. Neste contexto, muito relevante é a utilização do sistema cabruca de plantação de cacau, caracterizado pelo plantio do cacau sob a sombra das árvores da Mata Atlântica. O método é hoje uma prática exemplar do ponto de vista ambiental e da sustentabilidade, possuindo aspectos extremamente positivos, entre eles, a conservação da biodiversidade, dos solos e das águas. Curiosamente, este método é conhecido há muitos anos, e havia sido considerado obsoleto no passado. Além disso, a recuperação da produção brasileira nos últimos anos se deve principalmente aos novos clones produtivos que possibilitaram a geração de um cacau mais resistente à praga e, também, à força e dinamismo dos produtores, por acreditarem na nova técnica e a implantarem em suas propriedades. Felizmente, a vassoura de bruxa, está com seus dias contados. Isso porque o genoma do fungo foi mapeado pelo Projeto Genoma Vassoura de Bruxa, em uma iniciativa da Universidade de Campinas (UNICAMP), com a participação de pesquisadores de todo o Brasil. O seqüenciamento se iniciou no final de 2000 e as pesquisas estão próximas de serem concluídas. Já foi, inclusive, identificada uma enzima presente no próprio fungo que poderá ser utilizada no seu controle biológico. Daqui por diante, o desafio passa a ser a capacidade de colocar seus resultados em prática, dependendo de seu grau de investimento. Apesar de se revelarem muito promissoras para a recuperação econômica do setor cacaueiro no Brasil, a manutenção destas práticas e políticas é complexa. Isso porque o Brasil ainda é considerado pelo mercado internacional um país de baixa competitividade. Para este quadro ser revertido, é preciso baixar os custos de produção - que hoje alcançam patamares duas vezes e meia maiores do que os da Costa do Marfim (maior região produtora de cacau do mundo). Também precisamos aumentar a produtividade do cacau brasileiro, sem que a qualidade seja prejudicada. E, por fim, buscar uma melhor eficiência tecnológica. Para se alcançar estas metas, é necessário que toda a cadeia do cacau se una, dos produtores até os fabricantes de chocolates, passando pelas cooperativas e o governo. Todos devem estar envolvidos e comprometidos. É preciso formular um plano e colocá-lo em prática. Felizmente, o Brasil está plenamente alinhado com o mercado global. Ainda não contamos no Brasil com as certificações Rain Forest Alliance, Origem e Fair Trade (Comércio Justo) para o cacau nacional. Porém, com a consciência crescente de todos os stakeholders, a introdução das certificações de nossa produção é questão de tempo. Isso será fundamental para a maior participação no mercado internacional. Em se tratando do comércio justo, os benefícios são muito amplos e englobam os três pilares da sustentabilidade, unindo o desenvolvimento social, econômico e ambiental em uma só causa. Por isso é que acreditamos que a articulação para o desenvolvimento de um órgão certificador que possa lançar um selo Comércio Justo é bastante oportuna. Com este selo poderemos apoiar ainda mais os pequenos produtores e comprovar ao mercado mundial que o chocolate brasileiro é ambientalmente correto e também socialmente responsável. Enquanto isso, aos chocolateiros brasileiros, grupo onde me incluo, cabe a responsabilidade de valorizar e contribuir para o desenvolvimento dos pequenos produtores de cacau Sul da Bahia. E isso é possível fazendo parcerias com as cooperativas da região. A ótima notícia é que hoje se pode tanto adquirir o cacau diretamente destas cooperativas como também comprar delas o chocolate manufaturado. Sem dúvida, dá mais trabalho fazer isso. Porém, ajudar àqueles que contam com a venda do cacau para sua subsistência, além de uma atitude bastante louvável, também é uma forma de fortalecer a economia local. No que se refere aos consumidores de chocolate, eles também podem ter papel igualmente importante ao exigir que as grandes empresas fabricantes e também os pequenos chocolateiros sejam transparentes em relação à procedência do chocolate e da matéria-prima utilizada. É importante que o produto seja resultado de uma relação comercial justa, além do manejo ambiental correto. E isso vale também para os chocolates importados, que são largamente comercializados no Brasil. Se fizermos pressão para que estes produtos sejam manufaturados com chocolate com certificação fair trade, vamos contribuir diretamente para a menor desigualdade social no mundo, sobretudo na África - lembrando que o continente africano é responsável hoje por mais de 70% da produção mundial de cacau -, e para a sustentabilidade desta delícia que tanto nos dá prazer. (*) Dados do CEPLAC (Comissão Executiva de Planejamento da Lavoura Cacaueira). Nota do Editor: Gislaine Gallette, chocolateira e fundadora da Gallette Chocolates (www.gallette.com.br), é engenheira com MBA em marketing. Depois de atuar por 15 anos no mercado financeiro, ingressou no mundo do chocolates. Fez cursos na Bélgica, de onde veio diretamente para abrir sua própria chocolateria. A Gallette Chocolates quer contribuir para um mundo mais doce e justo.
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