Mais uma vez deparamos com a notícia de que o acervo de 23 obras de Cândido Portinari, exposto na igreja de Batatais (SP), avaliado em R$ 30 milhões, corre risco de deterioração por falta de manutenção. Padre e prefeito divergem sobre quem deve pagar a conta do restauro das telas, onde algumas sofreram a ação de goteiras ou de cupins. Já vimos a mesma reclamação em relação a obras de Benedito Calixto e de outros artistas nacionais mais ou menos famosos. Isso nos leva a supor que muitas outras, integrantes do patrimônio artístico nacional, regional ou local, podem estar com seu futuro comprometido e, com seu desgaste, perderem-se importantes componentes histórico-culturais. O caso de Batatais precisa definir algumas questões que, pela importância do material a preservar, poderão até servir de parâmetro para outros acervos em risco. Há de se ter bem claro o nome do proprietário das obras, sua finalidade e beneficiário econômico-cultural, e os requisitos técnicos de manutenção. Se a propriedade for da Igreja, não há porque o poder público custear sua manutenção. Porém, se a beneficiária do prestígio das obras for a estrutura de turismo da cidade, poder-se-ia buscar um convênio em que a verba pública fosse utilizada no restauro. Nesse caso, também, nada impediria, caso a Igreja se desinteresse pela sua exposição, colocá-las num museu público com todos os aparatos necessários à sua preservação permanente e custeada pelo erário. Há que se tomar muito cuidado para não aplicar verbas públicas em propriedades da Igreja, que é particular. Esse procedimento é proibido por lei, já que somos um Estado laico, desde o advento da República, há mais de 120 anos. O importante, no entanto, é evitar que as obras de Portinari - assim como as de outros artistas - se percam. Seus detentores têm o dever de preservá-las em boas condições e, assim, entregá-las às futuras gerações, que terão o mesmo compromisso. O país possui importantes órgãos encarregados da preservação e manutenção do patrimônio artístico e cultural. Também existem programas oficiais que disponibilizam as técnicas, o pessoal especializado e encaminham à obtenção de recursos para o restauro e a conservação de acervos. Nos parece muito comodista a opção de pleitear o custeio do serviço pela prefeitura e de a prefeitura simplesmente alegar que não pode fazê-lo. É preciso ação, entendimento e verdadeiro respeito ao bem cultural, sem rusgas nem desentendimentos. A repercussão do presente caso vem da importância de Portinari. Mas é importante que administradores públicos, gente do movimento cultural e, principalmente, os detentores de obras, tenham consciência do seu valor e da importância de mantê-las. Um simples desenho, peça de gesso ou de madeira executado por um artista local contém toda a carga energético-cultural da comunidade e, no conjunto, conta a história do povo, que não deve ser perdida... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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